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domingo 17 novembro 2024
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Tribuna livre – A primeira professora a gente nunca esquece

Menino simples vindo do Borba, zona rural de Taubaté, tinha lá meus sete, oito anos. Era a idade em que à época a gente entrava para a escola, para ser alfabetizado. Fui estudar numa escolinha municipal, localizada na Avenida Santa Luíza de Marillac, na Vila São José. Ela tinha uma única sala de aula, onde os alunos dos primeiros anos se espremiam.

No primeiro dia de aula, entre nervoso e ansioso, minha mãe, D. Benedita Semíramis do Couto, me vestiu uma calça de pernas curtas, com suspensório do mesmo pano, e uma camisa xadrez. O cabelo tipo escovinha, comum entre os meninos, deixava apenas um chumaço de cabelo acima da testa. Era um corte mais econômico, adequado à dureza em que viviam as famílias que vinham da roça e se alojavam nas velhas casas de meia água da Vila São José.

Sentei-me numa daquelas carteiras duplas, de madeira, e ninguém compartilhou lugar comigo. Abri um caderninho herdado de meus irmãos e deixei lápis e borracha a postos. A magia de entrar no mundo das letras ia começar para aquele garotinho caipira, que na pureza de seu coraçãozinho sonhava em ser escritor, jornalista, sei lá.

Nossa professora, com voz calma e respeitosa, se apresentou. Era D. Lucilla Ortiz Gomes, de família tradicional de Taubaté. Estudara no Colégio Bom Conselho, fez a Escola Normal no Instituto Monteiro Lobato, quando ainda funcionava na Rua Visconde do Rio Branco, prédio da Faculdade de Filosofia. Seu irmão, Dirceu Ortiz Gomes, lembra emocionado que a Profa. Lucilla era muito religiosa e adorava assistir a TV Canção Nova. “Era uma pessoa pura, sem maldades”, diz Dirceu.

Ela, que nunca se casou, morreu solteira em 2004. Nascida em 26 de janeiro de 1929, aposentou-se durante a gestão do prefeito Guido Miné.

A primeira professora a gente nunca esquece. Foi a primeira pessoa que percebeu em mim algum talento para escrever. Ela costumava colocar no quadro negro – era assim que se falava à época, antes do famigerado politicamente correto – uma gravura e pedia para que escrevêssemos sobre aquela imagem. E sempre destacava minha redação, lendo meus rabiscos para a classe toda com um carinho de mãe. Às vezes me chamava no intervalo das aulas, me dava conselhos, apontava erros e acertos nos meus primeiros textinhos.

Foi ali que aprendi que b + a é ba e que costurando sílabas e alinhavando palavras eu podia dar asas à imaginação, passando para o papel as ideias que fervilhavam em minha cabecinha.

Lembro-me com saudade daqueles dias e daquela professora encantada que iluminou minha vida, abrindo-me portas e horizontes, jamais imaginados por um garotinho nascido na roça, pelas mãos de uma parteira, a mesma que trouxe ao mundo meus cinco irmãos e irmãs.

Tudo começou ali, naquela simpática escolinha. O resto é história.

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Camões Filho, jornalista, escritor e pedagogo, é membro titular da Academia Taubateana de Letras