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sábado 30 novembro 2024
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Testemunhas brasileiras relembram horror do 11 de Setembro: ‘Vi o inimaginável e nunca mais fui o mesmo’

Quando viu pela janela do escritório uma gigantesca bola de fogo na Torre Norte do World Trade Center (WTC), a administradora de empresa Stéphanie Habrich, de 50 anos, pensou que um avião de acrobacia tivesse perdido o controle e se espatifado contra o prédio.

Alemã criada no Brasil e funcionária do Deutsche Bank, ela trabalhava no quarto andar da Torre 4, um dos sete edifícios do complexo empresarial.

“Me lembro muito bem do dia lindo que fazia. Não havia uma única nuvem no céu”, recorda. “Tinha chegado mais cedo para acabar um trabalho que precisava entregar naquele dia”.

Para o empresário paulista Tácito Cury, de 40 anos, a impressão foi outra. Ao saltar do metrô, foi avisado por um policial que havia um incêndio na Torre Norte, mas que o acesso à Torre Sul, onde trabalhava em uma escola de idiomas, no 57° andar, estava liberado. Quando chegou ao saguão, não tinha dúvidas: era apenas mais um thriller de ação que algum estúdio estava filmando pelas ruas sempre movimentadas de Nova York.

Nenhum deles, dois dos mais de 17 mil funcionários do WTC, podia imaginar que um dos principais cartões-postais da cidade estava sob ataque.

Quem chegou mais perto do horror por trás daquela explosão foi o economista gaúcho Larry Pinto de Faria Júnior, de 63 anos. Operador de uma empresa do mercado financeiro, a Garban Intercapital, que funcionava no 25º andar da Torre Norte, Larry estava ao telefone, conversando com clientes, quando ouviu um estrondo semelhante a uma bomba. Pela janela, estilhaços de vidro e destroços de fuselagem despencavam do céu.
Quando a torre de 107 andares começou a balançar, igual ao pêndulo de um relógio, Larry murmurou, baixinho:

“Não vai aguentar”. Foi o tempo de pegar suas coisas, berrar “Vai cair!” para o colega ao lado e correr para uma das saídas de emergência.
Naquele dia, quatro aviões comerciais foram sequestrados por 19 terroristas. Dois deles, o voo 11 da American Airlines e o 175 da United Airlines, foram arremessados contra as Torres Gêmeas, em Nova York. O primeiro, pilotado por Mohamed Atta, 33, atingiu a Torre Norte às 8h46 (horário local), e o segundo, comandado por Marwan al Shehhi, 23, a Torre Sul, às 9h03. Um terceiro avião, o 77 da American Airlines, foi jogado contra o Pentágono, na Virgínia, às 9h37, e o quarto, o 93 da United Airlines, caiu sobre um bosque na Pensilvânia, às 10h03.
Juntos, os quatro ataques, planejados e executados pela rede terrorista Al-Qaeda, comandada por seu fundador, o saudita Osama Bin Laden (1957-2011), deixaram um saldo de 2.977 mortos e quase 7 mil feridos. “Havia um 20º terrorista, um francês de origem marroquina chamado Zacarias Moussaouri, que deveria atacar a Casa Branca. Mas ele não aprendeu a pilotar a tempo”, conta o escritor Ivan Sant’Anna, autor de Plano de Ataque (2006).

Ficção ou realidade?

Tácito Cury só se deu conta de que não se tratava de uma superprodução de Hollywood quando a porta do elevador se abriu no 30º andar e viu uma multidão de feridos – uns gritando de dor, outros pedindo ajuda – querendo entrar na cabine. Em vez de subir até o 57°, desceu pela escada de incêndio.

Na rua, procurou um lugar seguro para telefonar para o pai, que morava no Brasil. Queria avisar que, na medida do possível, estava bem. Ainda não tinha desligado o telefone quando viu o segundo avião, um Boeing 767, transportando 51 passageiros e nove tripulantes, ser arremessado contra a Torre Sul. “O impacto foi tão forte que o chão tremeu. Parecia terremoto”, diz.

Larry de Faria Júnior conta que a descida até o térreo foi tensa, mas organizada. Não houve empurra-empurra ou algo do gênero. Ele estava no 15° quando cruzou com uma equipe do Corpo de Bombeiros subindo, rumo aos andares do topo atingidos pelas chamas. Cada um deles carregava cerca de 45 quilos em roupas e equipamentos.

“Como está a situação lá embaixo?”, perguntou Larry para um dos bombeiros. “Tem muita fumaça, senhor”, respondeu o rapaz. “Mas, está tranquilo”. Os bombeiros, todos muito jovens, subiram para não mais descer. “Nenhum deles sobreviveu à queda das Torres Gêmeas”, lamenta Larry, que morava em Nova York desde maio de 1999.

A empresária paranaense Adriana Maluendas, de 49 anos, não trabalhava nas Torres Gêmeas. Hospedada no 6° andar do Hotel Marriott, que fazia parte do complexo WTC, tinha prova às 9h30 no Instituto de Finanças de Nova York (NYIF, em inglês), no 17° andar da Torre Sul. Ainda estava à procura de um sapato que combinasse com sua bolsa quando um barulho muito forte estremeceu o quarto 635. Assustada, tentou ligar para a recepção, mas ninguém atendeu. “Preciso descer agora”, decidiu.

No hall dos elevadores, deparou-se com uma senhora em uma cadeira de rodas. “Por favor, vá buscar ajuda”, suplicou ela. Foi o que Adriana tentou fazer ao chegar ao lobby. Em vão. “Ver as pessoas pedindo ajuda e não poder ajudá-las foi uma das piores sensações da minha vida”.

O repórter Edney Silvestre e o cinegrafista Orlando Moreira foram os primeiros jornalistas brasileiros de TV a chegar ao local do maior atentado terrorista da história. Correspondente da TV Globo em Nova York de 1996 a 2002, Edney tinha acabado de chegar em casa, vindo da academia de ginástica, quando ligou a televisão e viu um enorme buraco no WTC. Morador da Union Square, chegou ao local em poucos minutos.

O cheiro de carne queimada, recorda, era pavoroso. “Terrível não basta para descrever”, diz. Uma das cenas que presenciou foi a do pai de dois bombeiros desaparecidos. Cavava os escombros com as mãos e perguntava: “Meu filho, você está aí?”. Muitos pais, mães, filhos, maridos e mulheres não tiveram o que enterrar. “Testemunhei o inimaginável. Nunca mais fui o mesmo. Mas evito pensar nisso. Hoje, procuro viver o aqui e agora”, afirma.

Fuga desesperada

Nos andares mais altos das torres, muitas pessoas quebravam as janelas para respirar, agitavam peças de roupas e pediam socorro aos helicópteros da polícia. Algumas delas, acuadas pelo fogo, calor e fumaça, desistiram de esperar por resgate e saltaram para a morte.

Dali a pouco, o que parecia impossível aconteceu: as duas torres, de 420 metros de altura cada, não resistiram aos impactos das aeronaves e começaram a ruir. A Torre Sul, a segunda a ser alvejada, colapsou primeiro, às 9h59, e a Norte, às 10h28. Em minutos, se transformaram em um amontoado de escombros.

“Se as Torres Gêmeas, em vez de caírem de pé, tivessem tombado para um dos lados, a tragédia teria sido ainda maior”, explica Ivan Sant’Anna. “O número de mortos poderia ter chegado a dezenas de milhares”.
Quando as duas torres foram ao chão, levantou-se uma nuvem negra de poeira, cinzas e fuligem. “Não tive opção: ou saía correndo ou era engolido por aquele tsunami. Corri uns 20 quarteirões”, lembra Tácito.

Quem também fugiu em disparada foi Stéphanie. Quando o segundo avião foi arremessado contra a Torre Sul, ela ouviu um barulho ensurdecedor, seguido por incontáveis explosões. Pensou que os terroristas estivessem lançando bombas sobre Nova York. Com medo de ser atingida, procurou abrigo em algum prédio das redondezas, mas não encontrou. “A maioria já estava com as portas fechadas. Os que continuavam abertos não me deixaram entrar”, lamenta.

Foi quando pegou o metrô, gratuito, até a rua 81, onde morava. Sem as chaves de casa, tocou a campainha dos vizinhos e pediu para telefonar para o pai no Brasil e a mãe na França. “Foi a única vez na vida que ouvi meu pai chorando”, emociona-se.

Adriana não teve tanta sorte. Ao descer as escadas do Marriott, muitos hóspedes, ainda de pijamas e aos gritos de “Corram!”, empurravam uns aos outros. Ali, ela levou o primeiro de seus muitos tombos daquele dia. Na calçada, tentou correr para o mais longe possível dos escombros do WTC.

“Pareciam animais tentando fugir de um incêndio na floresta”, compara. Durante a fuga, foi empurrada e caiu no chão. Pisoteada pela multidão, quebrou dentes, fraturou costelas, ficou com hematomas. “A nuvem era escura e o ar, irrespirável. Não conseguia enxergar nada a um palmo de distância”, recorda. “Tinha certeza de que não conseguiria escapar com vida daquele pesadelo”.

Tácito ainda não tinha se refeito do baque do 11 de Setembro quando, no dia seguinte, levou outro susto. Ao embarcar em um trem do metrô, pegou um exemplar do jornal Daily News esquecido em um dos assentos do vagão. Não acreditou quando leu que um dos 19 terroristas da Al-Qaeda, justamente o que arremessou o voo 175 da United Airlines contra a torre onde trabalhava, era aluno do curso de inglês.

Atônito, ligou para a sede do curso, que ficava na rua 56, e confirmou o nome: Marwan al Shehhi, dos Emirados Árabes Unidos. Um aluno, ele descreve, tímido, discreto e caladão. “Foi um choque. Como professor substituto, dei aula para ele umas duas ou três vezes”, relata.

Depois do terror

Na sexta, dia 14, Stephanie já estava de volta ao trabalho. O banco para o qual trabalhava contratou psicólogos para atender os funcionários e montou um terminal com computadores em um galpão de Nova Jersey.
“Desde que havia chegado a Nova York, em 1996, trabalhava, no mínimo, 12 horas por dia”, calcula. “Passei a questionar como queria viver minha vida dali em diante”.

Depois que saiu do banco, em 2002, Stephanie fez mestrado em Relações Internacionais na Universidade Columbia e mudou-se para São Paulo e, em 2011, lançou Joca, o primeiro jornal infanto-juvenil do Brasil, distribuído para mais de 150 escolas, públicas e particulares, de todo o país. “Se o Joca existisse em 2001, teríamos explicado aos nossos leitores o que é um atentado terrorista”, exemplifica.

No sábado, dia 15, tão logo os aeroportos de Nova York reabriram, Larry pegou o primeiro avião para o Brasil. A empresa onde trabalhava abriu um escritório temporário em São Paulo, onde ele exerceu suas atividades por um ano e dois meses. Depois disso, regressou a Nova York.

Em 2018, visitou o museu e memorial do 11 de setembro inaugurado em 2014 em homenagem às vítimas da tragédia. Instalado no subsolo do Marco Zero, reúne cerca de 10 mil artefatos, desde a turbina de um dos Boeings usados como míssil no ataque até um caminhão dos bombeiros parcialmente destruído. “Chorei como criança”, conta.

Em outubro de 2020, Larry retornou ao Brasil. Desde então, vive em Porto Alegre, sua cidade-natal.
O acervo do museu guarda, entre outras “relíquias”, o passaporte e as chaves do quarto 635 do Marriott Hotel, doados por Adriana. Por causa do ataque, ela passou a sofrer de estresse pós-traumático. Durante muito tempo, sentia calafrios toda vez que ouvia as sirenes dos bombeiros e de ambulância e, à noite, chegava a trocar o pijama pelo moletom na hora de dormir. Tinha pavor de que outra tragédia daquelas acontecesse e ela não estivesse pronta para sair correndo.

Desde 2002, vive em Nova York e, em 2016, lançou o autobiográfico Além das Explosões. “Até hoje, não tenho palavras para descrever o que vi e vivi: triste, doloroso, impactante…”, arrisca-se.

Quando descobriu que um dos pilotos suicidas tinha estudado no curso onde trabalhava, Tácito resolveu ligar para a polícia federal dos EUA, o FBI. Seus chefes não gostaram da publicidade indesejada e resolveram demiti-lo. Sem emprego, decidiu abrir sua própria escola de idiomas, hoje presente em 60 países. Não satisfeito, virou chef confeiteiro e montou um bistrô em São Paulo.

Em 2015, gravou uma palestra TEDx, Cinco Lições de Sobrevivência. “Não é todo dia que a vida dá uma segunda chance para você. O que eu fiz? Dei um reset na minha história e comecei de novo, praticamente do zero”, conta ele, que hoje se divide entre São Paulo, Paris e Nova York.

Preso em 16 de agosto de 2001, Zacarias Moussaouri, que deveria ter atacado a Casa Branca, hoje com 53 anos, cumpre prisão perpétua no Colorado. Já a cadeirante do Marriott foi resgatada por funcionários do hotel. Morreu em 2009, de causas naturais.