No ano passado, 7 pessoas morreram assassinadas no Brasil a cada hora, aponta a 11ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apresentada na manhã de ontem, segunda-feira, em São Paulo. A publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) compila e analisa dados de todas as unidades da federação e da União sobre violência e segurança. Ao todo, foram 61.619 mortes violentas intencionais no período, o maior número já registrado pela série histórica do Anuário, e que só encontra similaridade na comparação com grandes tragédias, como a explosão da bomba atômica que devastou a cidade japonesa de Nagasaki durante a 2ª Guerra Mundial. “É como se o Brasil sofresse um ataque de bomba atômica por ano. São dados impressionantes, que reforçam a necessidade de mudanças urgentes na maneira como fazemos políticas de segurança pública no Brasil. Não é possível aceitar que a sociedade conviva com esse nível de violência letal”, avalia Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do FBSP.
A taxa nacional de mortes violentas intencionais em 2016 foi de 29,9 assassinatos para cada 100 mil habitantes, mas em alguns estados esse número é ainda maior. Sergipe, por exemplo, registrou taxa de 64 mortes a cada 100 mil habitantes; Rio Grande do Norte, de 56,9, e Alagoas, de 55,9. Em reforço ao fenômeno de interiorização da violência que vem sendo observado em outros estudos, nas capitais houve redução de 4,3% no número de mortes violentas intencionais, com 14.557 vítimas. No entanto, alguns dados revelam cidades com altas taxas: Aracaju, com 66,7 mortes para cada 100 mil habitantes; Belém (64,9) e Porto Alegre (64,1).
Dados inéditos
Nesta edição, a publicação incluiu pela primeira vez dados sobre feminicídio, que é uma nova modalidade de homicídio qualificado, caracterizado quando há crime contra a mulher. Em 2016, 4.657 mulheres foram assassinadas, mas somente 533 casos foram classificados como feminicídio. “Isso é um indício de que há uma dificuldade das autoridades na aplicação dessa classificação em seu primeiro ano de implementação”, explica Samira Bueno, diretora executiva do FBSP. Segundo ela, o levantamento revela a necessidade de melhorar os registros, que ainda estão longe do ideal. Ainda sobre violência de gênero, foram registados 49.497 estupros, sendo quem em mais de 90% dos casos a vítima é mulher.
O número de policiais civis e militares mortos em confronto teve alta de 17,5%, com 437 assassinatos no período. Neste ano, foi possível traçar um perfil desses profissionais: a maioria é negra (56%), está na faixa etária de 30 a 49 anos (63,6%) e é majoritariamente do sexo masculino (98,2%).
Em contraposição, 4.224 pessoas foram mortas em decorrência de intervenções de policiais Civis e Militares, um crescimento de 25,8% em relação ao ano anterior. Desse total, 81,8% têm entre 12 e 29 anos, e 76,2% são negros. “Esse é um problema de grande relevância, que não vem sendo enfrentado de maneira adequada pelo Estado brasileiro. O que observamos é que os governos têm legitimado de várias formas o uso da força, mesmo quando ela não é necessária, o que acirra a violência”, observa Renato Sérgio de Lima. Entre 2009 e 2016, o Anuário contabiliza 21.897 pessoas mortas em ações policiais.
Outro dado inédito é o número de desaparecimentos. Apenas em 2016, os órgãos de segurança receberam 71.796 notificações de pessoas desaparecidas. Segundo o levantamento realizado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram ao menos 693.076 pessoas dadas como desaparecidas nos registros policiais no decorrer da última década, uma população maior que a de nove capitais do país. “O problema é que os registros não trazem muitas informações e não há acompanhamento adequado dos casos. Não raramente uma pessoa que já foi dada como morta, ainda permanece na lista de desaparecidos’, outras são encontradas e assim por diante. A ausência de investigação nos impede de saber o número exato de desparecimentos forçados, que podem estar relacionados por exemplo com tráfico de pessoas, violência sexual e homicídios cometidos pelo tráfico de drogas e por grupos de extermínio”, esclarece Samira Bueno.
Latrocínio dispara em sete anos
Os latrocínios, que são o roubo seguido de morte, totalizaram 2.703 ocorrências em 2016, um crescimento de 50% na comparação com 2010. As maiores taxas estão em Goiás, com 2,8 mortes por 100 mil habitantes, e dois estados da região Norte, o Pará, com 2,7, e o Amapá, com 2,4. O Anuário também aponta que um carro é roubado ou furtado a cada minuto no país, num total de 1.066.674 veículos.
Em meio a tudo isso, chama a atenção que tenha sido registrada uma queda nos gastos com Segurança Pública em 2016. Juntos, União, Estados e municípios despenderam R$ 81 bilhões com o setor, uma queda de 2,6% em relação a 2015. Os cortes promovidos pelo Governo Federal foram os mais significativos, com 10,3% a menos do que o montante utilizado em 2015. Os recursos destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública caíram 30,8% e os do Fundo Nacional Antidrogas, 64,8%. A exceção foi o Fundo Penitenciário Nacional, que teve acréscimo de 80,6% em 2016.
Outros dados que merecem atenção são os seguintes:
– 112.708 armas apreendidas
– Aumento de 292% do efetivo da Força Nacional
– 24.628 adolescentes cumprindo medidas educativas; sendo 44,4% por roubo e 24,2% por tráfico de entorpecentes, mas com o destaque para a demora do Governo Federal em atualizar tais dados, referentes somente até 2014
– 40% das escolas não possuem esquema de policiamento no entorno; 70% dos diretores e professores presenciaram agressão física ou verbal entre alunos
– Notou-se, por parte das Unidades da Federação, um grande esforço no aperfeiçoamento da qualidade e fidedignidade dos seus sistemas de informações policiais/criminais, o que precisa ser reconhecido.
O Anuário se baseia em informações fornecidas pelos governos estaduais, pelo Tesouro Nacional, pelas polícias civil e militar, entre outras fontes da Segurança Pública. A publicação é uma ferramenta importante para a promoção da transparência e da prestação de contas na área, contribuindo para a melhoria da qualidade dos dados. Além disso, produz conhecimento, incentiva a avaliação de políticas públicas e promove o debate de novos temas na agenda do setor.