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quarta-feira 27 novembro 2024
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Santo Verbo – Os Meus Azuis

Aldenita de Sá Leitão

Certo dia, corri atrás de um vento azul que passava perto de uma acácia, também azul, que morava no meu jardim. Os ventos que passeiam por aqui decerto são azuis. Azuis de luz, de pingos de estrelas, de restos de tarde, de retalhos de tempo, de nuvens-meninas. Azuis tão puros quanto os olhos de Maria.
Continua azul a cor dos meus sonhos mais antigos, dos meus sentires mais profundos. O azul da distância é profundamente azul.
Costumo sonhar azul quando seguro a mão do meu amado e falamos de manhãs de sol, de tardes radiantes, de noites de lua, de nós dois, de amanhãs, de depois…
Percebo que o azul penetra, inteiramente, pelas janelas da minha vida, nos dias chuvosos, molhando minha alma inteira. Nesses dias “em que os azuis chegam tão perto e tão mansos”, embarco no primeiro barquinho de papel que veio do cais da infância e vamos correndo no riacho que a chuva deixou. Acho até que a pequena embarcação foi fabricada por meu pai, pois guarda ela seus gestos de amor.
Não menos azul era o cuidadoso carinho com que minha mãe, preocupada, levava-me ao consultório do médico para debelar a amidalite que às vezes me fazia perder aula. Esse azul era mais forte que o próprio azul-de-metileno com que o médico pincelava minhas amídalas, aliviando o mal-estar. Azul era olhar, embaixo da cama, na véspera do Natal e encontrar simples e lindos presentes de Papai Noel. Saudade, sim, desses azuis da infância.
Amo o azul das estrelas. Será que elas são cheinhas de azul? Amo a primeira que surge nos fins da tarde que invento para encontrar minhas lembranças. A primeira estrela me fascina, me enternece como ao ouvir, pela primeira vez ser chamada de “Mamãe”, o que me aproxima mais do Alto, da luz, do azul de onde as estrelas piscam para nós. O Universo é azul. Gagarin bebeu todo seu azul e amou o azul da terra.
Inundo-me de azul quando vejo minha descendência caminhando por alamedas que preparei em primaveras passadas. Preparadas a quatro mãos.
Nos meus jardins de ontem havia muitos azuis. Cultivo no meu pequeno espaço de hoje um canteirinho de nuvens. Quando todas as florzinhas se abrem, então, o azul invade o jardim, duplamente, deixando-o iluminado.
Que bom ter sensibilidade para perceber o azul que há no infinito, nos momentos, nas coisas, em tudo. Sinto azul em alguns dias que nascem e em algumas tardes que morrem, no amor primaveril e no amor outonal: na bênção da minha mãe, no carinho dos filhos, na ternura dos netos.
O azul está em todas as cores da minha vida. E acabei descobrindo que dentro de mim há uma inesgotável fonte de azul. E que o amor é azul…

Aldenita de Sá Leitão (1934-2019)
Funcionária pública federal da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); poetisa, membro da Academia Feminina de Letras do RN; protagonista do documentário ‘Além de um Sítio’. O poema ‘Os Meus Azuis’ concorreu entre os 100 melhores poemas do ano de 2012, através de uma entidade cultural luso-brasileira de escritores.

Por Tibério de Sá Leitão