Ao nascer na boca da noite o saci foi carregado por um vento forte até a boca do metrô. Como fazia muito frio, procurou se esconder atrás do vento, liberando-o para agir no meio dos transeuntes, causando rebuliço, principalmente no meio das mulheres com seus vestidos rodados que, a cada redemoinho sobe, mostrando claramente o avesso.
O mais interessante é como passou a agir no meio urbano, tocando o vento, assombrando as pessoas e criando confusões no meio de tanta gente que não pára para saber sobre os acontecimentos e, quando buscam isto, levam jornais em suas mãos. Esses jornais apontam sempre em suas manchetes algum fato distante, irreal demais, às vezes próximo, mas alongado pelas rotativas que, ao sobrepor as páginas , criam outra viagem enfileirando letras. São muitas notícias em um só lugar, ninguém sabe ao certo qual será próxima. O tempo passa e a noite se fecha, a boca aberta do metrô continua pronta para se esparramar com o vento, em novas traquinagens, para mandar o frio embora, se agitando em redemoinhos. É uma verdadeira estripulia, com gente assustada por todos os lados. Cada olho arregalado que leva mais susto do que fora assustado, no entanto cada um faz o que pode e, isso vai desde o xingamento até a solidariedade com os atingidos em maior gravidade pela força do vento, mesmo sabendo que a boca do metrô continua aberta e próspera para mais traquinagem desse perneta urbano.
No dia seguinte, com a boca aberta e o hálito renovado por um zéfiro, todos caminham sem pensar no rebuliço do dia anterior, e tudo indica que na boca da noite tudo poderá mudar. A boca do metrô e a boca da noite não se beijam, mas o hálito de uma coloca a outra em alerta, principalmente quando o perneta está por perto, pronto para tocar o vento para rua. No final da tarde, uma nuvem começa a estender o seu manto escuro sobre o centro velho da cidade e, com um hálito quente, a boca do metrô indica que vai chover em breve, mas antes da chuva, a ventania já esperada por todos. As barracas estão todas arrumadas e os ambulantes prontos para se dirigirem às suas casas. O corre- corre em meio aos passos mais apressados de quase todos na mesma direção, a estação do metrô, e o vento aumentava, soprando cada vez mais forte. Era a mesma história que se repetia, mas parecia que algo estava tocando o vento, organizando-o e conduzindo a direções opostas fazendo um verdadeiro redemoinho, assombrando a todos. A chuva se aproximava fazendo lavar os mais atrasados, limpando o suor de um dia cheio de cansaço, marcado por muito trabalho. No meio dessa confusão toda, um senhor bem idoso levanta uma questão: esse vento estranho é parecido com os vetos em redemoinho, próximos aos bambuzais de São Luís do Paratinga, onde os sacis que moram nos ocos de bambus, quando saem procuram domar o vento, para assustar as pessoas que se aproximam da sua moradia. Lá no interior, eles domam cavalos, jogam terra no café das pessoas, sujam a água das bicas, além de outras estripulias para afastar os homens do seu habitat. Parei um pouco, escutei bem aquela conversa e resolvi investigar mais sobre o que havia dito aquele senhor, demonstrando conhecer bem a história do perneta, que tem nome diferente em várias regiões do Brasil. No sul, ele conhecido como negrinho do pastoreio, no Vale do Paraíba ele conhecido como perneta ou saci, mas monteiro Lobato vai torná-lo conhecido através de suas obras, principalmente no Sítio do Pica-pau Amarelo.
A ideia de que poderia haver um perneta na boca do metrô era uma questão de tempo.
Na verdade, era só surgir outra oportunidade para ele aparecer,à fazendo traquinagens no meio daquele gentio. Meditei bastante durante a minha caminhada para casa, pensei em muitas histórias, mas só uma resolvia: era esperar o dia seguinte e, então ir àquele local para observar o que havia dito aquele senhor. Tudo se uniu em uma única história cercada de redemoinhos que remete a vários sertões, inclusive ao Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa, quando Riobaldo faz o seu pacto com o demo e sente o redemoinho formado pelo vento, como uma grande força. Apesar do pacto , Riobaldo não protege Reinaldo, aquele que certo dia, nas andanças dos jagunços pelo sertão, lhe dissera que o seu nome não era Reinaldo e, sim Diadorim, e Riobaldo só vai descobrir isso depois da luta entre ela e o Hermógenes, onde os dois acabam feridos e mortos. No fim, aquela senhora que lavou o corpo lhe mostrou que Diadorim era um corpo de mulher. Riobaldo repensa o pacto e decide que o diabo não há, mas o que há mesmo é o homem humano.
Essas histórias que povoam o imaginário do povo brasileiro, dando identidade a todos, não podem ser esquecidas, favorecendo as escolas e cursos de inglês, que usam o último dia de outubro como um espaço de propaganda para alimentar a cultura norte-americana. Esse jogo só faz destruir a nossa cultura, deixando para nós um vazio de identidade. Viva o perneta e seus redemoinhos pelos sertões do Brasil. Essa é a vida de um povo e sua identidade, é a nossa história de lugar, de sociedade, história de gente e seu cotidiano, ela é o ponto mais forte que se consolida através da oralidade, no imaginário social, transitando entre as gerações de ontem, de hoje e de amanhã.
Oswaldo Macedo