Não dá para escapar. Acabou de nascer, deu o primeiro choro no mundo, pois o sem-graça do médico, além de colocar de cabeça para baixo como se fosse um peixe na feira, dá um tapa em seguida, justificando que é para o ar entrar nos pulmões! Chorou forte? Então, tome aí o primeiro rótulo: “Esse veio ao mundo com vontade de viver!”.
Uma vez assisti a um vídeo do parto de uma mulher em que o médico, assim que constatou que a criança era menina, ergueu-a e disse sorrindo: “Ih, pai, é material de segunda!”, disse o boçal, enquanto arrancava sorrisos amarelos na sala de cirurgia.
Logo se inicia uma seleção de rótulos para classificar o ser humano. Feio, bonito, cabeludo, puxou o pai, a mãe, lembra o avô, se for igual ao tio não irá prestar e por aí vai. Mais adiante continua a descrição do produto: educado, alto, baixo, inteligente, bonito, estranho, calado, falante, olhos juntos demais, testa alta, tem cara disso, daquilo…
Se fala pouco, deve ser traumatizado ou reprimido; se é saliente, parabéns! Mas se for menina, não pode, irá virar periguete. Se fala fino, é gay; se é menina e brinca com meninos, será sapatão. Veja se é limpo, se é bem-cuidado, cabelos, dentes, cheiro e confira atrás das orelhas.
Aí veja onde estudou, em que se formou, com quem anda, do que gosta.
Acompanhe as etiquetas, pois quem tem boa procedência usa roupa cara. Tome cuidado para que a marca não seja daquelas falsificadas. O perfume é importado? Veste moda casual ou é largado? E a religião? O gosto musical? O jeito de andar? O que está lendo? O celular é último modelo?
Os rótulos surgiram da necessidade do ser humano decodificar o mundo ao seu redor. Com o avanço dos dias atuais, as pessoas estão sem tempo para entrar em contato com os conteúdos mais sensíveis e, por que não dizer, humanos? Se o rótulo for apresentado por uma pessoa amiga ou de credibilidade, não importa mais a experiência pessoal. É aquilo e pronto! O amigo disse! A celebridade falou na TV! O sacerdote disse na reunião religiosa!
Apelidos (muitas vezes nada carinhosos), títulos depreciativos, alertando as pessoas para que se afastem de um ser humano específico, por algum motivo julgado nos tribunais da mente ou por preconceito escancarado, ainda estão espalhados pelas ruas e praças daqui.
O fato é que o rótulo é apenas uma impressão de uma pessoa, derramada a um público acostumado a absorver a ideia pronta ao invés de se abrir para perceber o seu próprio sentimento.
Precisamos ir além dos rótulos. Necessitamos parar de classificar pessoas pelas etiquetas, carros e celulares do ano, a bolsa cara da modelo francesa na capa da Vogue ou se o clareamento dental é um sucesso.
A simplicidade é um território a ser explorado. Os tesouros desta região são tão verdadeiros e claros, que não são chegados aos requintes dos dicionários. A sabedoria popular muitas vezes vai além dos que pisaram o chão acadêmico. Já é comprovado que aquele que não tem quase nada, em momentos de contato com a crise do outro, partilha o que quase nada tem para que o outro tenha algo, assim como ele. Sem rótulos, sem preconceitos, classificações ou a carteirinha do clube importante.
Quem seria Jesus nos dias de hoje? O pedinte? O vagabundo, andarilho, sujo?
Por Cláudio Mariotto – Terapeuta
17/02/2018