“Não queremos prejudicar a população, porque o grande trunfo que temos na mão é o apoio integral em todo o território nacional”.
O anúncio de que o governo Michel Temer ordenou que forças federais desobstruíssem estradas onde caminhoneiros se manifestam há seis dias não esvaziará o movimento, diz à BBC Brasil um dos mais antigos líderes da categoria, o sindicalista Nélio Botelho.
“Temos convicção de que os policiais não encontrarão formas de nos desmobilizar. Com isso, a situação ficará mais crítica do que nunca”, afirma Botelho, presidente do Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos do Estado do Rio de Janeiro.
Na sexta-feira, Temer disse ter acionado “forças federais para superar os graves efeitos da paralisação”.
“Quem bloqueia estradas e age de maneira radical está prejudicando a população. Vamos garantir a livre circulação e o abastecimento”, disse o presidente.
Os detalhes da ação serão conhecidas quando Temer publicar um decreto determinando a realização de uma operação GLO (Garantia de Lei e Ordem).
No começo da tarde, os ministros Raul Jungmann (Segurança Pública) e Joaquim Silva e Luna (Defesa) conversaram com os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica no Ministério da Defesa.
Logo depois, foram ao Palácio do Planalto.
Em nota, o Ministério da Defesa disse que as Forças Armadas atuariam para garantir a “distribuição de combustíveis nos pontos críticos”, fazer a “escolta de comboios”, proteger “infraestruturas críticas” e desobstruir as vias próximas a refinarias de petróleo e centros de distribuição de combustíveis.
“O emprego das Forças Armadas será realizado de forma rápida, enérgica e integrada”, diz a nota.
Na noite de quinta-feira, a Força Nacional tinha deslocado um efetivo de 120 homens para auxiliar a Polícia Rodoviária Federal (PRF) a liberar estradas em Minas Gerais.
Caminhoneiros reivindicam isenção total de impostos federais sobre óleo diesel (Foto: Agência Brasil)
‘Faço meu papel’
Nélio Botelho viajou para Brasília para participar de negociações entre o governo e representantes dos grevistas. Ainda assim, diz que não está à frente da mobilização.
“Não sou negociador, não sou líder de nenhuma greve, apenas faço meu papel de estar junto da categoria para auxiliar no que eu puder”, diz à BBC Brasil por telefone, durante uma pausa para o almoço.
Botelho afirma que os caminhoneiros não estão bloqueando as estradas, mas sim “exercendo o direito de manifestação às margens das rodovias, o que é plenamente legal”.
Ele diz orientar os motoristas “a não prejudicar o trânsito de ninguém, especialmente de carga viva, abastecimento de hospitais e polícias”. “Não queremos prejudicar a população, porque o grande trunfo que temos na mão é o apoio integral em todo o território nacional”, diz.
“Estamos aguardando a presença dos policiais. Em alguns pontos eles já estiveram e constataram que não há bloqueio de rodovia”, afirma o sindicalista.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, porém, caminhoneiros já interditaram trechos de quase uma centena de rodovias pelo país desde o início da paralisação.
Em nota divulgada na sexta, a Polícia Federal diz que começou a investigar a possibilidade dos caminhoneiros grevistas estarem praticando crimes “contra a organização do trabalho, a segurança dos meios de transporte e outros serviços públicos”.
A Advocacia-Geral da União informou que tinha obtido 26 decisões liminares (provisórias) da Justiça proibindo a obstrução de rodovias em 15 Estados e no Distrito Federal. A AGU também pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare a paralisação dos caminhoneiros ilegal.
Obstruir estradas é uma infração gravíssima, passível de multa e remoção do veículo, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro.
Isenção de impostos
Entre os principais pontos reivindicados pelos grevistas está a isenção total de impostos federais que incidem sobre o óleo diesel, principal combustível de caminhões. Os manifestantes também querem a isenção da Cide para caminhoneiros autônomos e o fim do pedágio para caminhões que trafegam vazios.
Na quinta-feira, o governo fechou um acordo com parte dos representantes dos caminhoneiros para suspender a paralisação. Entre outros pontos, o governo ofereceu zerar a Cide sobre o diesel e baixar em 10% o preço do combustível nas refinarias nos próximos 30 dias.
Muitos caminhoneiros, porém, rejeitaram o acordo e continuaram o protesto.
Botelho diz que o governo errou ao oferecer “promessas” em vez de medidas concretas. “Reivindicamos apenas o necessário para praticar a profissão. Nossa categoria está estrangulada.”
Ele rejeita a afirmação de que a mobilização seja um locaute – tipo de manifestação em que os patrões impedem os trabalhadores de atuar motivados por seus próprios interesses, e não por reivindicações dos funcionários. Locautes são proibidos pela legislação brasileira.
O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse haver indícios de “uma aliança, um acordo entre os caminhoneiros autônomos e as distribuidoras e transportadoras, e isso é grave, porque apresenta indícios de locaute”.
Para Botelho, porém, a mobilização é liderada não por patrões, mas por caminhoneiros autônomos.
Histórico de greves
O sindicalista se projetou como representante de caminhoneiros no governo José Sarney (1985-1990). Desde então, participou de várias mobilizações pelo país.
Em 1999, em meio a uma manifestação que envolveu cerca de 700 mil caminhoneiros, Botelho negociou diretamente com o então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) e teve algumas reivindicações atendidas, como o congelamento do preço do diesel e de tarifas de pedágio.
Mesmo assim, a paralisação só foi interrompida quando FHC ameaçou usar as Forças Armadas para desobstruir estradas, quando a mobilização estava perto de completar uma semana.
Botelho diz esperar que o governo atenda as reivindicações do movimento nas próximas horas.
“Tem que cair a ficha para o governo: nossa categoria é fundamental para país e estamos vivendo no submundo”, afirma.
“Se a greve avançar pelo fim de semana, chegaremos na segunda-feira num cenário de caos.”
André Shalders e João Fellet
Da BBC Brasil em São Paulo