• Jorge Hessen – Brasília/DF
A humildade é o fundamento de todas as virtudes. Há os que elevam conceitos ou exageram virtudes de si próprios. Todavia, o humilde não se deixa lisonjear pelos elogios ou pela situação de destaque na qual se encontre por ter consciência do pouco que sabe diante da amplitude do saber.
Não concordamos com oradores espíritas que fazem questão de manter em seus nomes a sigla “doutor” e se vangloriam desse pronome de tratamento (1) nos eventos que participam em nome do Cristo. Importa ressaltar que o emprego ultrapassado de “doutor” é comum entre a gente mais humilde e sem instrução que associam a palavra a um status social ou a um nível de autoridade superior ao seu. Estratificações sociais que não se coadunam com o Evangelho.
Contudo é como se diz: “em terra de cego quem tem um olho é Rei”. Ora, em terra de milhões de analfabetos, quem tem o título de bacharel é “doutor”. Mas, a rigor, o título de “doutor” é conferido pelas universidades aos estudiosos, após concluírem curso de graduação e, mediante defesa de uma tese conseguem aprovação diante de uma banca de notáveis. (2) Etimologicamente, o vocábulo “doctor” procede do verbo latino “docere” (“ensinar”). Significa, pois, “mestre”, “preceptor”, “o que ensina”. Da mesma família é a palavra “douto”que significa “instruído”, “sábio”.(3)
O principal pronome de tratamento, consagrado universalmente e o único que os legítimos espíritas devem usar como necessária manifestação de respeito, não importa a quem estejam se dirigindo, é “Senhor”/”Senhora” usando-se sempre o tratamento direto.(4) Por isso, quando um dirigente estabelecer um novo relacionamento com os oradores espíritas, limite-se ao uso de “Senhor”, e não utilize “”doutor””, uma discriminação, a rigor um constrangimento que inequivocamente afeta a igualdade de tratamento garantida na prática plena do Evangelho de Jesus.
Enquanto houver oradores que não se reconheçam como indivíduos comuns e acreditem merecer o tratamento cerimonioso, submetido às formalidades dos protocolos sociais, com cuidadosa discriminação em vários graus de adequação e propriedade, indiscutivelmente refletirá a prova de seu “potencial doutrinário” e “superioridade moral”, incentivando comportamentos destorcidos das propostas cristãs.
É bastante conhecida a influência que as elites exercem nos diversos setores da sociedade e, como não poderia deixar de ser, também no movimento espírita. Fragmentos dela (elite) acabaram assumindo postos de comando nas federações e casas espíritas. E como veneram as glórias sociais, os títulos e o sentar nos primeiros lugares dos eventos o desfile da vaidade passa a ser apenas um reflexo natural desse anti espiritismo bem conhecido dos dias de hoje onde a troca pública de amabilidades é apenas o verniz da doença moral da nossa época.
Chico Xavier já advertia em 1977, “É preciso fugir da tendência à ‘elitização’ no seio do movimento espírita (…)o Espiritismo veio para o povo. É indispensável que estudemo-lo junto com as massas mais humildes social e intelectualmente falando e deles nos aproximarmos(…)Se não nos precavermos, daqui a pouco estaremos em nossas casas espíritas apenas falando e explicando o Evangelho de Cristo, às pessoas laureadas por títulos acadêmicos ou intelectuais(…)”(5)
Os “expositores-doutores” não devem esquecer que Chico Xavier, Divaldo Franco, tanto quanto no passado Léon Denis , não poderiam participar desses conclaves regidos pelo peso dos títulos acadêmicos, sob pena de se sentirem desambientados e constrangidos, por não terem titulação conferida pelas universidades do mundo. Isto para não citarmos o próprio Cristo, que não passou da condição de modesto carpinteiro.
“Por mais respeitáveis os títulos acadêmicos que detenhamos, não hesitemos em nos confundir na multidão para aprender a viver, com ela, a grande mensagem. (…)”(6)
Não será com a construção de templos luxuoso , com competições de cargos eletivos, com disputas de exibição da tribuna entre os doutores, com as querelas dos simpósios, que iremos forjar opiniões equilibradas para a Terceira Revelação.
O importante é que haja menos competição e mais cooperação, a fim de transferir a Doutrina para as futuras gerações, conforme a recebemos do Codificador e dos seus iluminados trabalhadores das primeiras horas.
Não é possível continuarmos ouvindo oradores, laureados pelo tratamento de doutores, realizarem discursos ufanistas de felicidade enquanto a humanidade agoniza na indigência da ignorância das letras.
FONTES:
(1) O Aurélio define os pronomes de tratamento como “palavra ou locução que funciona tal como os pronomes pessoais”. Os gramáticos, por sua vez, ensinam que esses pronomes são da terceira pessoa, substituindo o “tu” da segundo pessoa
(2) Alguns recorrem a LEI DO IMPÉRIO DE 11 DE AGOSTO DE 1827, que cria dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, introduz regulamento, estatuto para o curso jurídico e, em seu artigo 9º dispõe sobre o Título (grau) de “doutor” para o Advogado,
(3) Nos países de língua inglesa, os médicos são chamados de “doctor”. Quando escrevem artigos, ou em seus jalecos, no entanto, não empregam o termo, mas apenas o próprio nome, acompanhado da abreviatura M.D. (medical degree), isto é, “formado em Medicina”, “médico”.
(4) Problemas do Cerimonial. Nos círculos fechados da diplomacia, do clero, da burocracia governamental, do judiciário, etc., ainda existe o emprego codificado (São obrigatórios por Lei) de pronomes de tratamento laudatório, hierarquizados pela importância oficialmente atribuída a cada cargo
(5) Entrevista concedida ao Dr. Jarbas Leone Varanda e publicada no jornal uberabense O Triângulo Espírita, de 20 de março de 1977, e publicada no Livro intitulado Encontro no Tempo, org. Hércio M.C. Arantes, Editora IDE/SP/1979.
(6) Idem.