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segunda-feira 23 dezembro 2024
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Os “poréns” de Taubaté

Taubaté completa 377 anos de vida neste 5 de dezembro de 2022. É a mãe das cidades valeparaibanas e de muitas outras espalhadas por esse imenso Brasil. É cidade protagonista em muitos períodos da história do nosso País. É onde nascemos, crescemos e estamos nos desenvolvendo como cidadão e ser humano. Temos muitos pontos positivos a destacar de Taubaté neste momento em que aproveitamos o feriado municipal (que pode ser último, caso em 2023 mantenham a lei aprovada nesta semana que revoga a data magna local) para também refletir sobre os destinos do nosso município. Porém, há muitos “poréns” que acabam por marcar nossa cidade no cenário regional e nacional de forma não muito positiva, mas que são importantes avaliarmos o contexto dos atos e fatos.

Começamos por destacar uma contradição que causa grande confusão na cabeça do taubateano: o próprio 5 de dezembro como sendo ou não a data de fundação do município. Durante muito tempo, por interesses administrativos e políticos a data não era feriado, tampouco o poder público promoveu qualquer atividade para lembrar a elevação de Taubaté a categoria de vila (por provisão em 5 de dezembro de 1645, com a denominação de Vila de São Francisco das Chagas de Taubaté, tendo sido o primeiro povoado do Vale do Paraíba a alcançar esta posição). De outro modo o dia 4 de outubro, em que se festeja o padroeiro São Francisco de Assis sempre foi feriado.

Sendo o catolicismo a religião reinante, muitos cidadãos incutiram na mente como sendo esta a data de fundação de Taubaté. Em 2022, mais uma vez o Dia 5 de Dezembro sofreu um atentado político, de desrespeito a nossa história e memória coletiva, com a aprovação pela câmara municipal de projeto de autoria do executivo municipal para atender interesses de uma parcela de comerciantes que não querem pagar horas extras para os empregados, quando na verdade, se tivéssemos ações sociais, esportivas e culturais fomentando e transformando o 5 de Dezembro em “Dia do Orgulho Taubateano” a cidade lucraria muito mais, como um todo, não só financeiramente.

Aos falarmos das personalidades nascidas ou criadas por essas bandas, logo lembramos do nome de Monteiro Lobato como importante referencial da nossa cultura e do nosso povo. Atualmente ocorre um verdadeiro culto as suas obras, a importância do seu legado para a literatura nacional e mundial, mas o que pouco sabem ou gostam de lembrar é que o escritor chegou a ser perseguido por aqui, tendo inclusive seus livros queimados em praça pública. A obra ‘História do Mundo Para Crianças” sofreu crítica, censura e perseguição da Igreja Católica.

Outra personagem destacada como sendo da terra é Hebe Camargo, ícone da televisão brasileira, recentemente falecida. Filha do maestro Segesfredo Camargo, o “Fêgo”, nutriu por muito tempo mágoa da cidade, por seu pai e sua família não terem tido reconhecimento merecido em vida. Hoje existe uma escola de música e artes plásticas homenageando o artista, mas até o momento não há nada vultoso aqui que oficialmente lembre a vida e carreira da apresentadora.

Quando se trata de patrimônio histórico e referências ao período de construção, a Capela do Pilar (a qual infelizmente há anos está fechada) é erroneamente considerada como o ponto de partida dos bandeirantes rumo as Minas Gerais. Estudos revelam que a construção é posterior ao chamado ciclo do ouro e que o verdadeiro ponto de encontro das bandeiras seria o Convento de Santa Clara. Os próprios bandeirantes são vistos como heróis taubateanos, mas ao debruçarmos em documentos históricos descobriremos que não é bem assim. Em busca do ouro e pedras preciosas escravizaram indígenas, desmataram a Mata Atlântica e causaram muita destruição pelos caminhos que passavam. Eram homens rudes, frutos das hostilidades e rusticidades da época.

Tínhamos um hospital fundado por taubateanos, por muito tempo chamado “Santa Isabel de Clínicas” e que por deficiências financeiras passou a ser administrado de forma terceirizada por uma fundação indicada pelo governo do Estado. Hoje o hospital é “Regional” e os taubateanos não tem prioridade para usá-lo.

Culturalmente existe um ditado que corre a boca pequena de que “quem bebe da água da bica do Bugre sempre retorna”. No entanto, poucos tem noção de que a água da bica era nos últimos tempos fornecida pela Sabesp e não a original, já que o lençol freático que abastecia a bica estava contaminado. Após período de seca prolongada, ao invés de colocarem uma torneira com abertura e fechamento automáticos ao toque da mão, a Prefeitura resolveu fechar o registro e impedir o uso da bica.

Para finalizarmos vamos lembrar de duas estrofes de nosso hino, escrito por Péricles Nogueira Santos que revelam nossos antagonismos e contradições. A primeira é o refrão que diz “A louvar-te, com ânsia, tanjam todos os sinos…vens de longa distância, vais a altos destinos…”. Não sei se por descuido ou por falta de percepção, o autor da letra deixou passar a duplicidade da palavra “ânsia”. Chega a ser engraçado vermos as pessoas cantando, especialmente os estudantes do ensino fundamental, e fazerem cara e gestos de nojo quando chega nesta parte do hino. Mas a infelicidade maior e que revela o nosso olhar ainda com um quê de provincianismo está no trecho que diz “alto nível o clã taubateano, de riqueza, se alteando, atingia. E tal é o poder, que, então, goza, (decantado, na época, em aulo) que a cidade chegou, poderosa, a se ombrear com a própria São Paulo!”. Por meio da letra do hino preocuparam-se em frisar o papel da elite e das oligarquias que sempre tentaram dominar e ditar as regras na sociedade taubateana, porém esqueceram-se do seu maior patrimônio: o seu povo, a sua comunidade, os munícipes anônimos que fazem verdadeiramente a história e transformam Taubaté numa pujante cidade.

É por estas pessoas, e para estas pessoas que vivemos e expressamos o nosso grande amor por Taubaté, reconhecendo os nossos defeitos, porém cientes de que graças ao nosso povo somos “a mesma cidade com alma, que nasceu no alvorar do Brasil”.

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* André Ferreira é jornalista, cineasta, líder comunitário e ativista sociocultural. Texto escrito originalmente em 2014 e que, com continua atual em 2022.