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quarta-feira 27 novembro 2024
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Onde houver ódio, consenti que eu semeie amor

• Raul Teixeira – Niterói/Rio de Janeiro
Incrível é o poder que tem o antiamor, essa hidra a que chamamos ódio. Começando por desnutrir e desmantelar o cerne do seu portador, segue, mundo afora, espargindo seus miasmas e se multiplicando no seio de muitas vidas, tornando amara a vivência no mundo.

É incontestável que uma pessoa odienta transforma-se num foco pestilencial, ejetando, aonde quer que vá, os dardos da sua patologia.

O indivíduo odiento, relativamente aos que o rodeiam, é alguém que se acha encharcado pelo mesmo ódio que destila. É alguém que odeia a si mesmo, e que, por isso adoece.
O ódio contra si mesmo é a maior tragédia da mente humana. Pode ter origem em padrões de perfeccionismo, quando, por não ter sido suficientemente imaculado, inteligente, justo ou honesto, em várias ocasiões de sua vida, passa a impor-se sansões, mesmo quando tais sanções são auto impostas inconscientemente.
A criatura que se odeia engendra processos variados de autodestruição, seja de maneira abrupta ou a longo prazo. Aqui, o candidato à morte pode intentar seu auto aniquilamento por meio de atos compatíveis com seu objetivo ou tudo pode ficar ao nível da imaginação ou da fantasia. O ser cristaliza-se muitas vezes em posições manteais perigosas, pondo em risco a sua e as vidas à sua volta.

Quem se odeia avança para o fim sem cerimônia, seja o fim da saúde, da alegria, do sossego ou o fim da família, dos amigos, da vida, ao cabo de tudo. Adere aos vícios de difícil erradicação, justificando não poder abandoná-los, escusando-se de fazer os mais mínimos esforços.

O ser que se detesta, por outro lado, imprime em tudo o que faz o selo da negatividade, complicando o que poderia ser simples, com o sentido de dificultar as existências alheias, agindo como camicase que não se importa em perecer, desde que consiga destruir outras pessoas, vastas vezes alegando justos motivos para seus atos.
Não será, portanto, difícil conceber a existência desse ódio dirigido a terceiros, como uma realização da alma perturbada que se vinga, que exerce a crueldade, executando crimes nefandos, atirando ou ajustando bombas onde a vida humana se move. Outros que envenenam mananciais e fontes de alimentos, que assaltam, que sequestram, que estupram, atestam o estado patológico em que se acham. São os transtornos da mente às escuras que servem de base a todos esses infelizes atos ainda perpetrados por muitas gente no planeta.

É essa energia enlouquecida de ódio que infesta tantos lares e sociedades diversas, responsabilizando-se pela onda de infelicidade, de morte, de tragédias com que se deparam os humanos ou de que têm notícias.
Do indivíduo que odeia surge o ódio de grupos, de castas, de religiosos; dele advêm os ódios políticos, étnicos ou os ódios nacionais, que fazem com que diversos povos ou grupos étnicos se hostilizem e se confrontem, reciprocamente, acobertados por argumentos infundados, algumas vezes irracionais, ingênuos, acreditando que, com eles, estão justificados.

Francisco [de Assis] enche-se de coragem, amplia-se na lucidez, e vai à liça dos homens, a fim de trabalhar em nome do amor, para transformar a energia desequilibradora do ódio naquela que representa o entrosamento dos filhos de Deus com os poderes sublimes da vida: o amor.

Era para tentar modificar esse estado de ódio auto imposto que Francisco se apresentara. Era por entender os resultados maléficos, degeneradores dessa força infeliz, que o Jovem de Assis investia, corajosamente. Não há construção odienta que resista ao convincentíssimo poder do amor. Admitia ele que somente por meio da virtude das virtudes, daquela que integralmente se dá, que se poderia desfazer o quadro tormentoso forjado pelo ódio.
Onde houver ódio, consenti que eu semeie amor…

Francisco roga ao Senhor a chance de sugerir, de semear, sem qualquer atitude de violência, em oposição à violência do ódio.

Consenti que eu semeie amor… Em verdade, a sementeira dele somente teria êxito caso caísse na terra úbere das almas dispostas, sem comprometer-se com a presunção de salvar a todos, indistintamente.
Rogava Francisco ao Senhor a oportunidade de ser útil, de ensinar, de orientar para os roteiros de vida eterna, saindo da posição acomodatícia que leva tanta gente a identificar a necessidade do amor na Terra, sem coragem, contudo, de participar, de cooperar com esse divino empreendimento, mantendo-se em inconcebível ancilose moral.
Dessa maneira, podemos considerar as pessoas que desistiram de aprender para ser mais úteis, de trabalhar para mais progredir, ou as que menosprezaram o uso do perdão, ante os erros alheios, ou as que submergiram nos pântanos de abastardados vícios, como criaturas que devotam ódio a si mesmas, que se entregaram, inermes, às mãos da morte moral, candidatando-se a enormes frustrações, seja na Terra, seja no Espaço.
Positivamente audacioso, Francisco penetrava esses campos psíquicos de tormenta e de loucura, para semear o bem imbatível e o inefável amor, que falam da presença de Deus no mundo, firmando-se na rogativa dirigida ao Nazareno: Onde houver ódio, consenti que eu semeie amor.