Neste ano de 2019, o feriado de Corpus Christi acontece no dia 20 de junho. Enquanto para alguns, trata-se de uma data para descanso e lazer, para os católicos trata-se de uma importante data de seu calendário litúrgico. Neste dia, a Igreja celebra a instituição da Eucaristia com a exposição do Santíssimo Sacramento pelas ruas, em procissão, juntamente com os fiéis. Para os católicos, a Eucaristia significa a essência da vida cristã, pois nela está contido o verdadeiro Corpo de Cristo que se sacrificou na maior demonstração de amor já realizada pela humanidade.
A Festa de Corpus Christi começou no século XIII, na diocese de Liège, na Bélgica, graças à freira Juliana de Mont Cornillon. Ela teria tido visões nas quais o próprio Cristo lhe aparecera pedindo que realizasse uma festa anual em honra da Eucaristia. A solenidade, porém, só foi instituída, oficialmente, pelo papa Urbano IV em 1264, ao publicar uma bula sobre o tema, prescrevendo a celebração oficial em honra do Corpo do Senhor sempre nas quintas-feiras após a oitava de Pentecostes. Segundo a tradição, a oficialização da data aconteceu depois que o Papa, que morava em Orvieto, na Itália, pronunciou as palavras Corpus Christi diante de uma relíquia eucarística, que lhe fora trazida de uma cidade próxima, chamada Bolsena. Trata-se de uma hóstia consagrada que teria sangrado durante uma celebração eucarística realizada na cripta de Santa Cristina, naquela cidade.
Para o pesquisador e estudioso de imagens há mais de 30 anos, Prof. Dr. Jack Brandão, tal acontecimento, considerado pelos católicos como um milagre eucarístico, foi quase imprescindível para a repercussão desta solenidade cristã. “Atualmente, por exemplo, muitos católicos sequer se lembram de tal milagre, nem conseguem associá-lo à Festividade de Corpus Christi. No entanto, essa imagem demonstrou sua eficácia, pois ainda hoje vemos a devoção popular espalhada nas ruas em forma de tapetes, por exemplo, no dia da festividade. Assim, a associação desvinculou-se do miraculoso e ganhou contornos próprios”.
De acordo com o pesquisador, nós somos seres iconotrópicos, ou seja, consumidores imagéticos vorazes e por isso necessitamos, a todo o momento, de mais e mais imagens que possam saciar nossa sede por elas. “O que acontece é que essa sede é inesgotável e, quanto mais consumimos, mais desejamos consumir, pois nunca nos contentamos com o que temos”.
Segundo Brandão, a existência de uma relíquia, como a hóstia com gotas de sangue ou o milagre de Lanciano, cuja origem remonta ao século VIII, significa, para muitos católicos, a materialização do sacrifício de Cristo. “Nós somos seres visuais. Na sociedade contemporânea há o predomínio da percepção visual. Dessa maneira, o fiel católico, ao ter a oportunidade de visualizar aquilo que pertence ao mundo material em consonância com o espiritual, vê fortalecida sua fé. Não que ele necessite, de maneira clara, dessa materialização, é evidente”.
O professor ainda destaca que tais sinais externos não desmerecem a fé cristã, pelo contrário, ele ressalta que tais imagens apenas contribuem para reforçar a fé. “Se eu já acredito, intensificarei ainda mais a minha crença e, se eu tenho algumas dúvidas, passo então saná-las perante a imagem que surge diante de mim”, completa o pesquisador. Ele também chama a atenção para o surgimento de outros milagres semelhantes que atraem milhares de fiéis para verem a relíquia exposta.
“As pessoas querem ver e contemplar, pois se trata, digamos, de uma prova da origem divina da Eucaristia. No caso da instituição da festividade de Corpus Christi, por exemplo, os milagres repercutem mais que a própria visão da freira Juliana. Não desmerecendo a mística, mas nesse caso o que se busca é a materialidade do sobrenatural, fato que corresponde ao suporte imagético”.
Para concluir, Prof. Jack Brandão ainda cita o apóstolo Tomé que, apesar de ser taxado como homem de pouca fé ou até mesmo incrédulo, recorre à materialidade imagética para fortalecer sua crença: “Ele não deixa de acreditar, pelo contrário, ele apenas recorre às imagens para impulsionar a sua fé. Todos, afinal, temos um pouco de Tomé em nós”.
Sobre o Prof. Dr. Jack Brandão:
Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS Imago Lab, editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem, pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas. Docente do Mestrado da Universidade Santo Amaro, UNISA / SP.
Mais informações: condesfotosimagolab.com.br
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