Mais de 250 denúncias foram realizadas ao dia em 2018 pelo Ligue 180. Em 2019, registros desde o início do ano indicam que os números devem superar os do ano anterior
O Dia Internacional da Mulher, comemorado em todo o mundo em 8 de março, foi oficializado em 1975, pela Organização das Nações Unidas (ONU), para lembrar conquistas políticas e sociais das mulheres, bem como fortalecer a luta contra a desigualdade de gênero, que infelizmente permanece até hoje.
No Brasil, infelizmente, estas conquistas políticas e sociais perdem espaço para os crimes cometidos contra elas pelo simples fato de serem mulheres. Não se sabe ao certo se o número de feminicídios no Brasil têm aumentado, se as vítimas estão mais confiantes em denunciar estas violências, ou se ambos têm acontecido. O fato é que em algumas regiões as denúncias chegaram a dobrar, e em 2019 o crescimento parece que será ainda maior.
Em 2018, o Ligue 180 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) recebeu 92.323 mil denúncias, contra cerca de 73 mil em 2017. A realidade certamente é ainda pior, pois grande parte dos casos ainda não é denunciada.
Segundo estudo do Ministério da Saúde, que será divulgado nos próximos dias, mulheres brasileiras adultas com histórico de violências anteriores, têm chances 151 vezes maiores de morrer por homicídio ou suicídio que a população feminina geral. Ainda no estudo, uma a cada 100 mulheres adultas, registradas em hospitais ou postos de saúde públicos por conta de agressões, morreu por causas externas, na grande maioria homicídios e suicídios.
Estes números são decorrentes do fato de muitas vítimas permanecerem em silêncio por vergonha, medo ou falta de informação.
“Está na hora de acordarmos para esta triste realidade. A brutalidade da violência contra a mulher no Brasil não faz distinção de classe social ou grau de instrução”, alerta Dr. Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) e membro da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO).
Há cerca de um mês, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifestou preocupação quanto ao elevado número de assassinatos de mulheres no Brasil somente este ano. Segundo a comissão, até o mês de fevereiro, houve 67 tentativas de homicídio e 126 mulheres mortas em razão de seu gênero.
Na rua, a caminho do trabalho, da igreja ou dentro de casa, mulheres jovens, adultas e até mesmo crianças, saudáveis ou hospitalizadas, incluindo um cadáver feminino, já em estado de decomposição, estavam entre as vítimas.
Entre os agressores estão desconhecidos, mas na maioria das vezes pessoas próximas. Há casos de pais, irmãos e avôs. Recentemente, foi um marido, que após um casamento de 40 anos, ficou inconformado com o pedido de divórcio e assassinou a esposa, de 66 anos, a tiros.
Ou seja, não é a roupa, a atitude ou o lugar. Não há, ainda, como se prevenir de modo eficiente, muito menos prever estas brutalidades. Nem mesmo as denúncias têm impedido o feminicídio no Brasil.
Ainda que o cenário seja desanimador, as mulheres não podem se calar. Ao contrário, devem seguir em luta por seus direitos, no combate à discriminação, violência moral, física e sexual, contando com o apoio das autoridades, da legislação vigente e, principalmente, dos homens.
“Estas mulheres precisam de profissionais treinados e capacitados para identificar os casos de violência, pois nem sempre a apresentarão de marcas físicas farão com que as mulheres possam expressar com clareza o que passaram”, afirma o Dr. Thomaz Gollop.
A luta em 2019
Algumas questões relacionadas à violência contra a mulher são mais urgentes e precisam de uma atenção maior da população em 2019.
Uma delas, teve um importante revés em 12 de fevereiro de 2019 , quando o Projeto de Emenda Constitucional 29, de 2015, de autoria do ex-senador Magno Malta, foi desengavetada por maioria de votos, retornando à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para ser discutida pelo colegiado nas próximas semanas. A PEC altera a Constituição Federal acrescentando ao art. 5º, “da inviolabilidade do direito à vida”, o trecho final “desde a concepção”.
Com a nova redação, qualquer aborto, independentemente da circunstância, poderá ser considerado crime, mesmo nos casos que hoje são permitidos, como quando a gravidez traz risco à vida da gestante, se consequência de um estupro ou nos casos de fetos com anencefalia.
“Este retrocesso na legislação levaria, muito provavelmente, muitas destas mulheres a
seguirem o caminho de outras tantas, que acabam recorrendo a um aborto inseguro, realizado em uma clínica clandestina, sem as mínimas condições de higiene ou profissionais qualificados.
O resultado são graves sequelas, como esterilidade, infecções, perfuração em órgãos e hemorragias ou até mesmo a morte”, alerta Dr. Thomaz Gollop.
Para a psicóloga e Mestra em Ciências da Religião, Rosangela Talib, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, com a iminência de tantos retrocessos que vivemos hoje, “o momento é de focar na manutenção da legislação vigente e dos poucos serviços de aborto legal existentes”.