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sábado 30 novembro 2024
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O agro não é pop: a farsa da “revolução verde”

Implantada no Brasil na época da Ditadura, política de agrotóxicos não reduziu a fome mundial
Em 2019, o Brasil completa 12 anos liderando o ranking de maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Mais de 60% dos alimentos produzidos contêm insumos agrotóxicos, e todos os anos são utilizados 7,3 litros de veneno para cada habitante do país.

À primeira vista esses insumos parecem benéficos por maximizar a produção de alimentos; entretanto, seu uso causa malefícios à população em geral e principalmente aos agricultures, que têm contato direto com o veneno. E alternativas como o incentivo à agricultura familiar e à agroecologia vêm sendo esmagadas na Câmara dos Deputados pelas propostas do Ministério da Agricultura, aliado de grandes latifundiários brasileiros e multinacionais produtoras de agrotóxicos, como a Bayer (Alemanha) e a Monsanto (EUA).

Junto a isso, temos um fato que marca a história de nosso país: o Brasil nunca fez uma reforma agrária. Diferente de outros países da América Latina, que ao longo do século XX promoveram políticas de distribuição de terra (como o México de Emiliano Zapata e o Chile de Salvador Allende), o Brasil transitou do Império à República sem nenhum tipo de redistribuição que beneficiasse os camponeses. Essa herança de um Brasil com senhores de escravos donos de enormes pedaços de terra é a raiz dos conflitos que vemos hoje: mais da metade das terras agriculturáveis do país estão concentradas nas mãos de poucas famílias e empresas. E os ruralistas justificam essa enorme concentração se inserindo no agronegócio a nível mundial, embora a propriedade familiar, que ocupa uma parcela ínfima das terras brasileiras, produza 50% dos alimentos consumidos no país.

Mas como se deu a gênese no uso de agrotóxicos, tão difundido e defendido pelos latifundiários e empurrado aos pequenos agricultores brasileiros?

Uso de armas químicas no século XX
Em sua origem, os agrotóxicos provêm de armas amplamente utilizadas nas duas guerras mundiais. Na Primeira Guerra, as trincheiras inimigas eram atingidas com gases tóxicos como o gás de cloro, gás mostarda e gás fosgênio, desenvolvidos pelo químico alemão Fritz Harber (1868-1934), que ganhou o Prêmio Nobel de Química em 1918 pela aplicação do DDT no combate a insetos. Um dos episódios mais impactantes de seu uso ocorreu em 1915, quando os alemães lançaram cerca de 22.000 cilindros com 160 toneladas de gás cloro na cidade de Yprès, na Bélgica. Cerca de 5.000 soldados das tropas aliadas morreram em menos de cinco minutos, e outros 2.000 pereceram dias depois pelos efeitos colaterais do ataque.

Na Segunda Guerra, o uso mais conhecido de armas químicas se deu nos campos de concentração, onde os nazistas usavam o gás cianídrico no extermínio de judeus em câmaras. Outro uso bem registrado no século XX se deu na Guerra do Vietnã, de 1959 a 1975, com o uso pelo exército norte-americano de produtos como o Napalm, conjunto de líquidos inflamáveis, e o Agente Laranja, mistura de dois herbicidas usada como desfolhante. Ambos os produtos eram vendidos ao exército pela empresa Monsanto.

Revolução Verde
Apesar de pesquisas já atestarem que o DDT usado para combater insetos era cancerígeno e cumulativo no organismo, as nações vencedoras no pós guerra passaram a articular uma expansão dos seus negócios com base nas indústrias que haviam se desenvolvido durante o conflito, e entre elas a indústria química. E nos países europeus prejudicados pelo conflito, a fome era um grande problema. Foi aí que surgiu a “revolução verde”, que visava promover a agricultura a partir de iniciativas tecnológicas como o uso de fertilizantes, agrotóxicos e sementes geneticamente modificadas, prometendo acabar com a fome no mundo. Seu principal representante era o cientista norte-americano Norman Borlaug da Fundação Rockfeller, que afirmava que a resposta estaria no aumento da produtividade de monoculturas e implantação desse regime em diversos países.

Agrotóxicos e o “milagre econômico” brasileiro
O Brasil adotou os métodos da Revolução Verde no final de 1960, dentro do programa de aceleramento econômico de Juscelino Kubitschek. Dentre os primeiros efeitos observou-se um aumento na já alta concentração de renda e um êxodo rural para as grandes cidades — os agricultores iam perdendo o acesso à terra em benefícios de monoculturas geridas por latifundiários. A política de agrotóxicos e mecanização do campo foi um dos pilares do chamado “Milagre Econômico” que durou entre 1969 e 1973, coincidindo com os anos de maior tensão da Ditadura Militar. O país se tornou um produtor em larga escala de milho, soja e algodão, em um surto de desenvolvimento agrícola que causou um boom na economia.

Entretanto, milho, soja e algodão não matam a fome de ninguém. A chamada Revolução Verde, no Brasil e nos vários países que a adotaram, de fato aumentou as desigualdades, expulsando os pequenos produtores de suas lavouras e propagando o uso de agrotóxicos a nível mundial. E essa herança colonial de um Brasil que sempre olha para fora, fomentando a qualquer custo a exportação de produtos primários a países estrangeiros (que começou lá atrás, com o ciclo da cana de açúcar) é um dos maiores entraves a métodos mais saudáveis e orgânicos de se produzir comida, que poderiam ser a solução para problemas sociais tão presentes em nossa história.
(AH)