O arroz carreteiro nasceu na Povoação da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Esse prato, pelo sabor e simplicidade, conquistou o Brasil, cidade por cidade ao longo de sua história. Um ingrediente que determina a singularidade do prato é a carne seca ou a carne de sol, marcas inconfundíveis do gosto nacional.
Essa tal de carne seca ou carne de sol compôs os passos da humanidade; assistiu ao nascimento e evolução do homem, nesse planeta chamado Terra. O homem de Neandertal, a 2 milhões de anos atrás, após observar um eclipse solar passou a preocupar-se com o futuro, o eclipse o levou a colocar um mamute, abatido no dia anterior, a secar diante do sol renascido.
A dez mil anos antes de Cristo, registrado em placa de argila, aconteceu a primeira salga de carne da nossa brevíssima história. A fome estava à espreita, observando homens famintos caminhando pela beira mar. Para garantir a mínima segurança ameaçada por dias não nascidos, enterraram pedaços de carne na quentura da praia, onde os rebentos do mar passavam e salgavam as carnes encobertas pela areia em grande profundidade.
O tempo passou, o homem conquistou os oceanos, descobriu novas terras e novos povos. A necessidade imperiosa do ato de conquistar, possuir um continente só para si, o levou ao processo de colonização. No caso brasileiro, especificamente, o sonho de sair da faixa litorânea para penetrar no coração do país exigiu, em primeiro lugar, a garantia da sobrevivência. No nordeste, terra com cheiro de princípio colonial, a carne seca ou carne de sol foi a resposta encontrada, uma espécie de selo de segurança, garantindo ao sonho dos aventureiros do sertão, a sobrevivência vinda do sal, da carne e do sol.
O viajante francês, Pyrard de Laval, passando pela Bahia, nessa época, registrou em suas anotações: “são pedaços de carne gorda, de belos e maiores bois do mundo… salgam as carnes; os pedaços são bastante largos, quando estão bem salgadas, tiram-nas sem lavar, pondo-as a secar ao sol”.
A seca nordestina de 1777, sol rachando a terra durante a existência dos dias, matou os rios, os riachos, os poços e o gado. O cearense José Pinto Martins, criador de gado nordestino, migrou para cidade de Pelotas, de São Pedro do Rio Grande do Sul, erguendo ali uma grande fazenda de criação de gado e a primeira charqueada, ou seja, feitura de carne seca. Não sei se é o momento exato para dizer que o estado do Rio Grande do Sul recebeu esse nome após a proclamação da república em 1889, antes era São Pedro, agora já disse o que precisava.
Voltando ao nosso arroz carreteiro, encontraremos, num primeiro instante os carreteiros gaúchos entrando pelos Pampas, atravessando os sertões, os povoados, as províncias, as vilas, abastecendo-as de carne. O nome carreteiro nomeia os profissionais das carretas puxadas por bois, que transportavam o gado. Nesse tempo corrido, o bandeirante Antonio Raposo Tavares, levando o sonho, a coragem, a cultura, amarrados ao processo de colonização atravessou o país, chegando ao Amazonas. Fernão Dias Paes e Borba Gato, ao lado de várias bandeiras de Taubaté exploraram e fundaram cidade em Minas Gerais. Inúmeros bandeirantes, partindo de São Vicente, penetraram o Rio Grande do Sul, descobrindo riquezas e o arroz carreteiro.
As noites sempre chegaram, os dias passaram ao lado do vento vindo do Sul, as águas desceram no corpo dos rios sem destino e o arroz carreteiro percorreu distâncias ganhando as mesas de um país que estava nascendo.
O verdadeiro arroz carreteiro.
Os ingredientes:
½ kg de carne seca
1 xícara de arroz
2 colheres de óleo
1 cebola média
2 dentes de alho amassados
Cheiro verde
Modo de fazer:
Cortar a carne seca, em cubos, e por de molho na água de um dia para outro, trocando a águas umas 6 vezes, para tirar bem o sal.Cozinhar a carne seca na panela de pressão.Em uma panela, fritar o alho, a cebola. Quando dourado, juntar o arroz e fritar, juntar a carne seca. Acrescentar 2 xícaras de água para cozinhar. Verificar se o arroz está cozido. Salpicar cheiro verde.
Hoje, com a modernidade, os cozinheiros e cozinheiras acrescentaram a receita linguiça calabresa, paio e até sobras de churrasco. No entanto esses não fazem parte da origem do arroz carreteiro, até porque, a linguiça calabresa é criação brasileira, nasceu no bairro do Bexiga, criada por descendentes do imigrantes italianos no início do século XX. O paio vem de Portugal, feito de lombo de porco, triturado em forma de massa, pimentões e temperos; o churrasco resume-se no aproveitamento das sobras de carne assada no braseiro.
Por Adriana Padoan