Projeções feitas com um modelo matemático desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicam que a adoção de lockdown obrigatório no Estado de São Paulo será inevitável caso o nível de isolamento social não suba significativamente nas próximas semanas, começando já na terça-feira (12).
Entre os dias 8 e 10 de maio, foram registados, em média, 1.839 novos casos diários de Covid-19 em todo o Estado, sendo 1.033 somente na capital. Foram registrados também 93 óbitos na capital e 168 no estado (também na média dos três dias). Se for mantida a taxa de contágio (R0) – que é o número de pessoas para as quais um infectado transmite o vírus – observada nos trinta dias anteriores a 10 de maio, no final de junho São Paulo contabilizará 53,5 mil novas infecções por dia, sendo 20,8 mil casos diários somente no município de São Paulo.
O número de óbitos diários atingirá 2,5 mil no estado, dos quais, 1,1 mil ocorrerão na cidade de São Paulo. Nesse período, estima-se que o número de novos casos dobre a cada 11,5 dias para o estado e a cada 12,9 dias para a capital. Para óbitos, o número estava dobrando a cada 13,5 dias no estado e a cada 14,7 dias na cidade.
Tabela – Projeção para o número de novos casos diários da COVID-19 para São Paulo, estado e capital, 12/05 a 30/06.
Número básico de reprodução (R0) e número de dias para dobrar o número de casos diários.
O cálculo foi feito considerando-se os dados reais de crescimento do número de casos ao longo do último mês, que indicam uma taxa de contágio de 1,49 para o estado e de 1,44 para a cidade de São Paulo. Ou seja, no final de abril, cada 100 paulistas infectados transmitiam o novo coronavírus para quase 150 pessoas, em média (ao longo de um período de cerca de 7,5 dias após se contaminar, de acordo com a modelagem utilizada).
“Essas projeções têm grande chance de estarem subestimadas, pois o nível de isolamento vem caindo desde o início de abril e, entre 5 e 9 de maio, não ultrapassou 50%, o que provocará o aumento da taxa de contágio. Isso se refletirá daqui a 15 ou 20 dias no número de novos casos, depois sobre o número de óbitos. Mas, mesmo que se mantenha o nível de contágio estimado até 10 de maio, os valores projetados indicam que ainda este mês o sistema público de saúde da Região Metropolitana de São Paulo [RMSP] atingirá o limite, pois o nível de ocupação de leitos de UTI [Unidade de Terapia Intensiva] já está acima de 80%. Se o isolamento não for ampliado urgentemente, o estado terá de adotar medidas mais drásticas de contenção, como ocorreu na Itália, ou a situação se tornará insustentável”, afirma o matemático Renato Pedrosa, professor do Instituto de Geociências da Unicamp e coordenador do Programa Especial Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPESP.
Contágio atenuado
Com base nesses resultados, Pedrosa decidiu estimar a taxa de atenuação do contágio que seria necessária para controlar a doença em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal, em função da densidade populacional de cada cidade.
No topo da lista das mais densamente povoadas do país estão Fortaleza (7.786 hab./km2), São Paulo (7.398 hab./km2), Belo Horizonte (7.167 hab./km2), Recife (7.040 hab./km2) e Rio de Janeiro (5.267 hab./km2). Se nenhuma medida de distanciamento social tivesse sido adotada para conter o avanço do novo coronavírus nesses municípios, calcula o pesquisador, todos teriam uma taxa de contágio superior a 5,8 e o número de infecções dobraria em menos de dois dias.
“Isso ocorreu no início da pandemia em outros países, como na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, em que o número de casos dobrou a cada 1,4 dia durante a semana de maior intensidade da pandemia, logo no seu início. A densidade populacional de Nova York atinge mais de 25 mil hab./km2 em Manhattan, e o caso foi analisado no artigo resultante da pesquisa”, observa o pesquisador.
“Para controlar a doença nas quatro cidades mais densamente povoadas do país, é preciso atenuar a taxa de contágio livre em 84%, o que seria possível com pelo menos 60% de isolamento social combinado ao uso obrigatório de máscaras de boa qualidade, por exemplo”, estima Pedrosa.
O potencial de proteção das máscaras pode ser calculado, segundo estudo disponível no repositório arXiv, que avaliou a eficiência de diversos modelos para atenuar o contágio, que pode ser muito significativo, dependendo da cobertura do uso e do tipo de máscara. “A dificuldade em utilizar os resultados desse estudo para estimar o efeito da obrigatoriedade do seu uso é que a eficiência dos tipos de máscara varia muito, desde praticamente zero para máscaras feitas em casa de material inadequado até mais de 90% para as máscaras do tipo N95, usadas por profissionais e que custam muito caro, sendo inacessíveis à maioria da população”, diz o pesquisador.
Segundo ele, o efeito das medidas recentes demorará algum tempo para ser avaliado, o que retardará as medidas a serem adotadas, que são urgentes e terão impacto, da mesma forma, apenas daqui a duas ou três semanas.
Pedrosa ressalta que a RMSP engloba várias cidades de alta densidade populacional, que apresentam números de reprodução próximos do observado na capital ou mesmo mais altos, como Diadema, Carapicuíba e Osasco. “Portanto, para uma região com mais de 21 milhões de habitantes, a situação poderá se tornar ainda mais grave em prazo muito curto se medidas que levem ao aumento do isolamento falharem”, conclui Pedrosa. (Agência FAPESP)