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terça-feira 24 dezembro 2024
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Literatura em gotas – O Juízo Compulsivo

Conta-se que durante um espetáculo cômico, dentro de um pequeno teatro de periferia de uma cidade, um projeto de filme entra em curto-circuito. Uma fagulha pousa sobre um pano nos bastidores, que se incendeia de imediato.
Um ator, maquiado e vestido de maneira burlesca, corre para rua. Está desesperado, grita com toda a voz que tem: “Socorro, ajudem, o teatro esta pegando fogo!

Muitas pessoas aplaudem-no, pensando que é uma atuação de rua. “Bravo, é uma atuação extraordinária!”.
O teatro em chamas, com pessoas lá dentro. Morrem todos. Esta cena de fantasia poderia hoje acontecer na realidade.

Porque é que olhamos primeiro para a indumentárias das pessoas? Julgamos no impacto, somos desencaminhados por aquilo que vemos à superfície. No ser humano, desde sempre, subsiste a malsã tendência para julgar sem critérios.

Quantas vezes nos acontece ver somente os nossos defeitos e evidenciar o nosso calcanhar de Aquiles? Torna-se um verdadeiro dominó: em vez de tornar mais rápido alguns pensamentos e situações, agigantamo-los.

Um juízo de valor é um julgamento feito a partir de percepções individuais, tendo como base fatores culturais, sentimentais, ideologias e pré-conceitos pessoais, normalmente relacionados aos valores morais. Um juízo de valor pode ser interpretado a partir de um ponto de vista pejorativo, quando significa que determinada avaliação ou juízo foi feito tendo como base os valores pessoais de determinado indivíduo, sem com que fosse seguido um pensamento imparcial, racional e objetivo sobre uma pessoa ou acontecimento. Pois existe juízo feito de forma mais imparcial e objetivo possível.

O juízo entendido de forma positiva é feito tendo como princípio um conjunto de valores universais, de cunho moral e ético. O juízo de fato é baseado em uma análise isenta de valores pessoais ou interpretações subjetivas, focando-se unicamente naquilo que é visível ou cientificamente comprovado.

Neste contexto, o juízo de valor negativo e parcial pode ser um caminho para os preconceitos, as discriminações e os julgamentos injustos. Quantas vezes nós olhamos para o defeito do outro sem enxergar os nossos? Estabelecemos tão facilmente juízo de valor a respeito dos outros e perdemos a autocrítica. Pedimos justiça para os outros e misericórdia para nós mesmos.

O contexto deixa claro que a coisa aqui condenada é aquela disposição de emitir opinião desfavorável sobre o caráter e as ações de outros, julgamentos precipitados, injustos e desagradáveis sobre eles. Emitir julgamentos sem fundamentação sobre a vida alheia traz amargar à alma, provoca reações igualmente ostensivas. Como diz o ditado popular: lave bem sua janela e não se preocupe com a roupa do varal do vizinho. Temos tantos defeitos em n´so mesmos que nem precisamos olhar os dos outros.

O juízo negativo compulsivo é uma patologia que está sempre com todas as pessoas. Vivemos numa sociedade onde estamos habituados ao juízo, à crítica, à condenação.

Isto cria em nós (muitas vezes inconscientemente) rigidez mental, com uma conseqüência preocupante: as pessoas tornam-se desprovidas de compaixão. Palavra que hoje é abusada no sentido mais depreciativo: “Aquilo causa-me compaixão, veja você!”. Isto não é compaixão, mas um juízo negativo em relação a alguém.

Na realidade, o principal significado de compaixão é sentimento de piedade para quem é infeliz, para com as suas dores, as suas desgraças, os seus defeitos; participação nos sofrimentos de outro – como sugere o dicionário.
Participação nos sofrimentos do outro, não elevação egocêntrica do nosso eu em relação a uma infelicidade. Colocar em prática uma cultura efetiva do acolhimento é fundamental.

Prof. Dr. José Pereira da Silva