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quinta-feira 17 outubro 2024
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Leitura de Taubaté – Tristeza de amar

Em carta de setembro de 1906, escrito em Taubaté, Lobato declara seu amor a Purezinha de uma forma velada, exposta, chega a indagar se a amada não está cansada de tanto ouvir a famosa expressão: “te amo”! Chega, inclusive a afirmar que Purezinha é seu alicerce, a sua sustentação e equilíbrio neste mundo bem alucinado. Encaminhando as palavras no contexto mais poético, mergulha nos desvãos do sentimento romântico ao dizer que a sua noiva é a sua luz, a sua vida, a sua aurora, a sua alegria.

Seguindo os mesmos caminhos entra numa espécie de profecia temporal, uma ruptura planejada entre o presente e o futuro. No presente, sempre no momento vivido, projeta-se num futuro, um tempo que nasce em seu devaneio, e a vê como regente do seu mundo, como rainha que, usando uma varinha de condão, realiza milagres no seu estado emotivo.

Partindo da ação devaneadora dos seus instintos, aproxima-se do estado do homem apaixonado, colado ao processo de quem se prende ao ato de cismar, pensar insistentemente, moer ideias desesperadas, encasquetar mundos inexistentes, é colocar os pés no terreiro da casinha do Jeca e imaginar um apocalipse caboclo.

Nesse universo psicologicamente preso ao sertão e ao urbano, define o amor como os passos trôpegos do velho realejo, órgão mecânico das ruas dos desesperançosos, tocando suas três árias, a ária da saudade, a dos ciúmes despertados e a ária que fala com o coração, dizendo amo-te. Para o escritor apaixonado, a sua felicidade plena está encravada no futuro, no momento em que Purezinha, a amada, a noiva que, um dia será sua mulher, disser com os lábios tostadinhos: “eu também te amo”. No entanto, o sentimento da “mulher-seu tudo”, não sabe dizer “eu te amo”, não pode dizer “eu te amo”, não tem ânimo para dizer-lhe “eu te amo”; ela, verdadeiramente, não é e nunca será uma mulher arrojada. E Lobato, com o coração rasgado grita-lhe: “dou meus calorosos bravos, você é uma criatura que não sabe mentir, retornando, assim, à ópera tocada pelo temido realejo”.

Em carta de primeiro de outubro de 1906, Lobato comenta o seu dia passado no tribunal do juri, acusações, defesas, e seu pensamento se afastando dos olhos apagados de um meritíssimo juiz para voar até São Paulo, ninho protegido de Purezinha.

Nessa carta, da mesma forma que grita em todas as outras cartas, o escritor declara sua raiva diante da economia verbal da noiva. Cartas raquíticas, minguadas e em desespero, confessa a sua agonia: se não quer mandar carta de gente, carta robusta, não mande os tais cartões, tenho verdadeiro horror a esses papeluchos que nada dizem, até por falta de espaço.

Procurando acalmar-se confessa o que poderá acontecer no dia seguinte, nuvens negras o rodeiam, terá dois processos para julgar, coisa de dez horas de trabalho. Retornando ao seu mundo desencontrado, mas bem mais reconfortado, pede a noiva para lhe escrever cartas longas, sugere-lhe que confesse o seu amor, mesmo que seja uma enorme mentira: “escreva, meu amor, digas que me amas, diga qualquer coisa suave e boa, tenho a alma seca como o preal do deserto, a suas palavras podem ser as chuvas que vivificarão o meu deserto”.

Lobato, sempre preocupado com o aspecto filosófico do amor define que, o tempo em que estão vivendo representa o momento de liberar-se, amar intensamente, loucamente e viver esse instante, torna-se um comportamento justificado.

A sensação de quem lê as cartas de Lobato a Purezinha, principalmente esta de outubro, sente que o escritor transforma-se, pouco a pouco, em um ser embotado, o seu psiquismo parece combater ideias que nascem de um ciúme inexplicável – Purezinha, dentro desse conflito, assemelha-se a uma pedra de gelo, levando Lobato a duvidar do amor da amada. Diz, em princípio de desespero, que precisa ler suas declarações de amor, precisa sentir que o seu coração bate em função de um grande amor, porém, de um amor que sabe ser correspondido. É triste, muito triste…

 

Prof. Carlos Roberto Rodrigues