Dom Pedro II amanheceu, abriu os olhos imperiais pensando, seguindo a temperatura da história, no movimento abolicionista. Na noite anterior prenderam o escritor Raul Pompéia, dando proteção e comandando a fuga de 12 crianças e 5 mulheres negras, de uma fazenda cafeeira da baixada fluminense. Os auxiliares diretos entraram no quarto do imperador, vestiram-no, pentearam-lhe os cabelos e a longa barba, trouxeram o café da manhã, conduziram-no até a cozinha onde cumprimentou a filha, netos, e parentes próximos. Dali, caminhou até a sala de despachos.
A maioria dos documentos relacionava-se com o mercado de café, exportação, importação, correspondências internacionais. No meio da papelada, naquele 28 de fevereiro de 1885, surgiu uma ótima notícia, uma solicitação de registro de patente. O pedido vinha de Taubaté, assinado pelo empresário José Antonio Carneiro de Souza, proprietário de uma refinaria de açúcar, localizada no centro da cidade. O comerciante vinha pesquisando há tempos um processo que diminuísse o tempo de refino do açúcar. Chegou a uma máquina denominada “Refinador de Açúcar Carneiro Leão”, possibilitadora de um aumento significativo na produção do açúcar refinado. O imperador leu as justificativas, o descritivo da pesquisa, a montagem da máquina e seu funcionamento. Sorrindo, disfarçadamente, assinou a autorização através de uma carta-patente. Taubaté, em detrimento do trabalho desgastante de Carneiro de Souza, entrava mais uma vez na estrutura política do império e, a cidade, tornara-se mais doce.
A Rua Dr. Silva Barros viu, com seus próprios olhos de rua, pois cada rua tem seu olhar específico, a chegada dos turcos, na maioria libaneses, mas com documentação avaliada pelo Império Otomano, e assim, habitaram o referido espaço. A rua tomara a feição de um pedaço de cidade dominado pelos mascates. Entre os mascates surgiu a refinaria de açúcar de Gigle e Simi, onde trabalhava o especialista Ricardo, pessoa conhecidíssima no município.
Com essa refinaria, o cheiro doce do açúcar sendo embranquecido e refinado tomava conta da cidade e do local onde se construiria o Mercado Municipal de Taubaté.
No bairro da Monção, próximo ao sitio do Visconde de Tremembé surgiu a refinaria de Alfredo e Manuel dos Santos. Os proprietários importaram maquinários modernos, deram um novo sentido a produção de açúcar na cidade. O cheiro que vinha da refinaria tornava a cidade mais adocicada, o aroma ganhava as praças, as escolas, e o coração das pessoas. Os casais de namorados, apaixonados e com a felicidade à mostra, beijavam-se ao sabor do melado saído da cana de açúcar.
Na Avenida Granadeiro Guimarães, perto do Hospital Santa Isabel, construiu-se uma refinaria de peso, produtora do açúcar Pérola, marca famosa no mercado da época. A professora Dona Beatriz levava seus alunos, uma vez por mês, em visitação a indústria Pérola. Os alunos viam e obtinham explicações do processo de refino do açúcar. Ao final ganhavam um saco de pedrinhas de açúcar, uma espécie de feto das balas de coco feitas pela Dona Leopoldina.
Na Rua Visconde do Rio Branco morava a solteirona Lourdes Machado. Linda, meio madura, dona de algum dinheiro, colecionadora de romances, namoros, completamente trágicos. Um dia conhecera o jovem Ricardo Temporal, moço pobre, honesto, sonhador. A paixão desenvolveu-se além de todas as linhas do horizonte, encontravam-se a qualquer hora do dia e da noite; numa dessas horas, Lourdes engravidou. Houve escândalo, falatório, línguas maldosas pintaram e descreveram cenas inexistentes, delírios nunca realizados.
Para o Padre Castro, Ricardo contou a verdade: – Todos os nossos encontros foram acompanhados pelo cheiro de açúcar vindo das refinarias. Os abraços ficaram bem doces; os beijos, cada vez mais alucinantes; os corpos não resistiram ao perfume do açúcar; os corpos tombaram nos bancos de madeira do Jardim da Estação. Os corpos tombados, o cheiro da pele e da alma, o aroma vindo da refinaria, a sensação de que anjos celestes riam para nós. Tudo isso nos levou a entrega total.
“Um beijo suave,
O cheiro doce,
Rosto com rosto,
O aroma moleque do açúcar,
As mãos buscando o mistério da vida.
E o perfume louco saindo das chaminés.
O tremor no corpo quente,
O doce pecado açucarado.
Nós não seduzimos um ao outro,
O doce do açúcar nos seduziu,
O padre perdoou-os,
– Rezem dois terços à Conceição.
Rezem dez Pai Nosso, ao Senhor,
Distribuam cinco quilos de açúcar aos apaixonados da cidade.
Amém.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues