Havia, lá pelas idas da década de quarenta, uma figura alegre e triste, chato e conveniente, polêmica e, de vez em quando, pacificador. O seu nome faz parte da história lateral do Brasil, aquela que não passa diante dos olhos dos estudantes brasileiros, dos nossos professores e doutores. Estamos referindo-nos ao senhor Edmundo Barreto Pinto.
Nas horas mais sérias de sua vida, Getúlio Vargas o chamava para, simplesmente ouvi-lo, e através dele, transar com as meninas do Teatro de Revista. A conversa, o discurso, o “papo” de Edmundo Barreto era vazio, desprovido de sentido, de profundidade, mas agradava Getúlio Vargas.
Barreto era filiado do PTB, por um engano do povo brasileiro, fora eleito suplente de deputado, com pouco mais de 600 votos. Alguém do mundo político morrera de acidente, abrindo vaga para a posse de Edmundo Barreto. Dizem que houve festa, bebida, mulheres do lar, da vida, do teatro, das zonas sofisticadas, e trinta e cinco charutos destinados ao Getúlio.
O pessoal da República da Língua Grande ficou furioso, revoltado, e com dó do Brasil. O republicano Hélio, Baltar, Paulo Meireles, Frederico Testa, no ímpeto do momento, viajaram para o Rio de Janeiro, no carro esculhambado do Júlio Paulo.
Andaram pelos gabinetes, departamentos, repartições, tentando falar com algum político ou funcionários do alto escalão. Todos os políticos sondados, avaliados, pediram-lhes propina para arranjar, de qualquer jeito, um encontro com Edmundo Barreto. O pessoal da nossa República, da querida Taubaté, não fez planos nem projetos. Baltar queria apenas dar uma porrada no parlamentar; Hélio sonhava em jogar o deputado nos braços da Cida Guaraná; Paulinho Meireles imaginava trazer o respeitado deputado a Taubaté, para que seu pai, Dr. Meireles, circuncidasse o pobre Barreto. Frederico Testa, o mais pacato, pretendia enterrá-lo no lixão da nossa prefeitura.
Diante de tantas possibilidades, por um golpe de sorte, Júlio Paulo conhecera, numa noite de premiação, de homenagem, o cineasta Jean Manzon. Tornaram-se amigos. Foi Manzon quem infiltrou o grupo da República da Língua Grande, numa festa oferecida pelo deputado, em seu requintado Apê.
As paredes do apartamento, enfeitadas com cordões de pérolas falsas, pareciam cenários de filmes americanos; os garçons, em trajes de gala, serviam bebidas importadas; a mulherada, outros parlamentares, sentados onde houvesse um espaço sobrando, deliravam-se com cigarrinhos vendidos nas farmácias do Paraguai.
A República da Língua Grande cercou o eminente deputado Edmundo Barreto, completamente chumbado. Hélio, Baltar, Paulo Meireles, Testa, Júlio, falaram tanto no ouvido do coitado que, aos poucos, o representante do povo perdeu a razão, a noção, a direção, o bom senso. O discurso dos Republicanos taubateanos bombardeou o deputado com palavras, frases soltas, abordando os seguintes temas: liberdade, amostragem visual dos políticos que cercavam Vargas, ironia, gozação, pilantragem, cambalacho, pornochanchada…
Edmundo Barreto Pinto, assumindo gestos de Rodolfo Valentino, tirou a calça, a camisa, ficando só de cueca e, por cima de uma camiseta surrada, vestiu o casaco parlamentar, símbolo desgastado do Senado e Assembleia, daqueles tempos.
Depois, tentando desfigurar ainda mais a classe política daquela década, Edmundo deitou-se na cama que pertencera à Marquesa de Santos, rolou de um lado para o outro, gesticulou, gemeu, fingiu orgasmos múltiplos, chamando por Pedro I.
Para terminar o ato, para consagrar a representação, entrou numa banheira; acendeu um cigarro, atendeu o telefone, linha direta com o presidente. Jean Manzon, junto com Davi Nasser, fotografam lance por lance, detalhe por detalhe, suspiro por suspiro, de todas as cenas.
No dia seguinte, antes que o sol revelasse as belezas do Rio de Janeiro, a revista O Cruzeiro, a mais importante do país, publicou, os lances da festa na Avenida Atlântica, sede e moradia do deputado do PTB.
A Assembleia entrou em choque, teve febre altíssima, dramas de consciência, vômitos, muitos prometeram devolver os votos recebidos, mas abriram processo contra Edmundo, por quebra de decoro parlamentar. O deputado foi cassado numa sexta-feira, véspera de sábado, provocando lágrimas no rosto do gaúcho Getúlio, das artistas do Teatro de Revista, dos alienados que nadavam ao sol de Copacabana.
De volta a Taubaté, o grupo revolucionário ocupou o banco de madeira da Praça Dom Epaminondas, centrando os olhos nas mulheres que passavam em frente à matriz, na banca do Carlos, no guardassol do Juares, e no pano que, nas mãos de Pedrinho, lustravam os sapatos mais cansados e desgastados da terra dos guaianases.
Por Prof. Carlos Roberto Rodrigues
29/07/2017