A história, de vez em quando, por cansaço ou sono, deixa de registrar fatos acontecidos no porão das movimentações diárias.
A frota de Pedro Alvares Cabral compunha-se de 13 navios, mais ou menos 1500 homens, contando com os marinheiros, degredados, franciscanos, e um grupo de navegadores italianos, homens capacitados para enfrentar o oceano e os seus monstros marinhos. Entre os italianos, embarcou um senhor chamado Jair Moises Bosancadeiro, uma espécie de barbeiro-médico daqueles tempos. A sua família era nascida e gerada num pequeno povoado perto de Pádua; a maioria, segundo consta nos livros nobiliárquicos, trabalhava nos mistérios da alquimia.
A partida de Cabral, com destino às Índias, não causou grande impacto na população portuguesa, conforme notificou o viajante Pero Sem Campo. Um fato, porém, preocupou os estudiosos da época que, estudando o mapeamento celeste, buscavam encontrar outros mundos, ou viajantes análogos aos desbravadores portugueses.
No mês de março, um mês místico por atitude de atribuição, a nau de Vasco Ataíde, pertencente à frota Cabralina, desapareceu nas águas percorridas pelo herói português. Tentaram localizá-la, procuram-na no silêncio misterioso das ondas, atrasaram a viajem, gritaram além das forças das vozes, e nada encontraram, nem uma faísca de rastro na infinitude das distâncias. Somente o obscuro Bolsocandeiro falou, baixinho, que o sumiço ligar-se-ia a fenômenos celestes, a pratos voadores.
Os marinheiros, os religiosos, registraram a presença de rabos-de-asno, um vegetal, rondando os navios. Um degredado, rapaz meio alegre, disse que o rabo de asno estava ligado a um rei do oriente, de nome desconhecido.
Mas, no movimento das ondas, poucos entenderam o discurso do premiado prisioneiro.
No dia do santo ignorado, os portugueses presentearam uns 20 índios brasileiros que, sem atentar para o grande feito, aproximaram-se do navio.
Todos os índios receberam gorros coloridos, chapéus, barretes, carapaças, botões, pedaços de tecido.
Nicolau Coelho, nomeado interlocutor mímico entre os brancos colonizadores e os índios, filhos de um continente projetado por Deus. Não encontramos documentos ou relatórios da navegação que identificando algum problema na visão de Nicolau, no entanto, de acordo com o seu atento olhar, os índios eram homens pardos avermelhados. Além da indefinição quanto à cor andavam nus, sem a mínima preocupação com a censura, pecado, lei social.
O escrivão Pero Vaz de Caminha, grande historiador visual, oral, deduzidor descreveu-os como pardos, bons rostos, bons narizes, beiços de baixo furados, cabelos corredios, tosqueados, falantes e sorridentes.
Visitando a nau do capitão, mais ou menos, na hora do almoço, andaram de um lado ao outro do navio. Viram um carneiro andando entre os marinheiros, não se assustaram, aproximaram-se do animal, tocaram-no. O cozinheiro soltou uma galinha no convés; os índios encolheram-se, afastaram-se, o medo momentâneo sombreou os olhares dos selvagens.
Comeram um pedaço de pão, não aprovaram o sabor, não sentiram atração palatal significativa; comeram peixe cozido, o desconforto desfigurou-lhes os semblantes; os brancos conseguiram retirar a leveza da carne do peixe; meteram alguns doces pela boca curiosa; cuspiram a especiaria no chão; era muito enjoativo. Comeram carnes de caça, carne salgada, temperada e não demonstraram nada no rosto, na boca, no corpo. Tomaram umas taças de vinho, mas não gostaram.
No dia seguinte, época de maresia brava, muitos índios apresentaram sintomas de febre, náusea, vômitos, delírios descompassados.
O capitão mandou chamar o marinheiro Jair Moises Bolsocandeiro, habituado com os enigmas da alquimia. Ele chegou, sorriu, deu com as mãos aos índios, correu 10 quilómetros na praia, e, por fim, examinou os índios doentes.
O diagnóstico levou somente 3 dias, fato justificado pela falta de aparelhos técnicos usados na corte. Os índios não sofriam de nada, era uma doencinha que habita o planeta Terra, surgindo de 100 em 100 anos.
Por coincidência, todos os índios doentinhos pertenciam a Aldeia do Fogo, e todos haviam tomado vinho, numa clara demonstração de que, desde Noé a bebida causa um problemão.
Os habitantes da Aldeia do Fogo, sem o motivo justificado pela ciência, adoeceram no movimento dos segundos. O marinheiro Jair Moises Bolsocandeiro misturou ervas contendo sal esteárico tirado da barriga da magnésia, lactose pura, goma arábica, usada para colar rede de pesca, essência de amido de milho e um litro de quinino. Misturou a pajelança com canja de tucana, bico azul; aplicou o remédio nos doentes e nos sãos, nos fortes, nos robustos.
Os doentes faleceram antes do jantar; e os sãos foram isolados das demais tribos.
Às 10 horas da noite, o escrivão da frota iniciou uma carta à sua Alteza que por justiça estava longe e separado pelos oceanos. Às 11 horas da noite o navio ganhou o mar, rumando para às Índias, em busca de especiarias. E, não sabemos o motivo com precisão, a Aldeia do Fogo, desapareceu do mapa, da Terra, do mundo, do planeta. O que se afirma é que, somente o marinheiro Jair Moises Bolsocandeiro sabe explicar o motivo e, quando o faz, não usa máscara.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues