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quinta-feira 14 novembro 2024
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Leitura de Taubaté – Primeira carta de amor de Lobato

Comentar as cartas de amor do escritor Monteiro Lobato a sua namorada, amada, noivinha, Purezinha, exige num primeiro plano um mergulho no olhar do sentimento, sensibilidade, compromisso com a vida, com o amor e a ternura. Em um segundo momento, necessitar-se-ia localizar os seres vivos que, de alguma forma participaram da história de amor que entrelaçou o escritor Taubateano e a professora Purezinha.

Onde se encontra, nesse momento o conhecidíssimo Visconde de Tremembé, um homem do seu tempo, fazendeiro, proprietário de escravos, terras, estoques de café; amante de uma mesa farta, boa comida da cozinha internacional e local; amante das mulheres belas, ou donas de alguma beleza singular; um sofisticado adorador de um bom charuto, vindo de mares há muito tempo navegados e renavegados; um místico devotado a política pura e, também, meio contaminada de uma época sem definição exata.

Por onde andará a professora primária Anacleta Augusta do Amor Divino, conhecida como mestrinha alfabetizadora de crianças calmas, assustadas, presas em seus medos silenciosos, nascidos nos conflitos gerados no chão dos casebres da área rural; não sabemos notícias da mulher linda, sorridente, conhecedora da música de um tempo, da dança de um tempo, mulher de olhar penetrante, olhar caminhador das estradas feitas de sonhos tão distantes. Um dia qualquer, talvez indefinido por necessidade, o seu olhar cruzou com os desejos do Visconde de Tremembé. Uma tontura leve, como flor do campo, nasceu em sua alma, o amor misturado à paixão aproximou-se de seu semblante, o coração não mais reconheceu a brandura do Paraíba e a entrega invadiu a realidade incompreensível. Desse amor nasceu Olímpia Augusta Monteiro, mãe de Monteiro Lobato; entre os encontros e desencontros, mas fruto da mesma paixão, nasceu também Jorge Francisco, tio de Lobato, homem esquecido pelas linhas dos cadernos dos estudantes de Taubaté.

Andando pelas ruas da cidade, contornando as suas praças, não temos notícia do fazendeiro José Bento Marcondes Lobato, pai do escritor de Taubaté. Um homem de rosto moreno, esculpido em pedras da beirada dos riachos, altura bem acima da média, grandes olhos brilhantes, inquietos, nervosamente procurando pedaços da natureza esquecidos em algum lugar; seus gestos estão ligados ao autoritarismo, à energia que emudecia por dentro da alma; seu silêncio apagava qualquer tentativa de oferecimento carinhosos, seus pensamentos criavam máquinas com a tecnologia do seu momento e alguns saltos para o futuro.

As esquinas, cotovelos das ruas, procuram saber onde estão os passos caminhados pela Viscondessa Maria Belmira de França, esposa do avô de Lobato; mulher séria, poucos atrativos a oferecer, mas pianista de primeira hora, fechada em um mundo sem entrada visível, sem saída anunciada; não conseguiu ser mãe, embora existam comentários a respeito de um aborto indesejado, no entanto não podemos negar as marcas da sua presença na formação intelectual e psicológica do escritor.

Para entendermos as cartas de amor escritas por Monteiro Lobato, necessitamos obter notícias do pajem Evaristo, assemelhado a uma sombra pregada na infância do escritor, era um excelente contador de histórias enredadas em florestas abandonadas, seres encantados, endemoniados, voadores do espaço, ocupantes das sinistras cavernas da Mantiqueira.

Aonde encontraremos a mulata Joaquina, mulher nascida na escravidão, trabalhadora na fazenda do pai do escritor, pescadora esperta no uso da peneira, conhecedora dos mistérios repousados no fundo das águas. Alguém, qualquer ser vivente dessas bandas poderia dar-nos informações sobre o Dr. Quirino, avô da paixão de Monteiro Lobato, Maria Pureza de Natividade, a encantadora Purezinha? Dr. Quirino fora professor do escritor no Colégio Evangelista, onde o mestre era também o diretor do estabelecimento.

E os espaços onde os fatos, as ações, os acontecimentos nasceram, cresceram, desenvolveram-se. A Fazenda Santa Maria ainda tem sonhos e pesadelos nas noitadas das matas e das florestas? A Fazenda Paraíso, conhecida por seus riachos, quedas d’água, correntezas, ainda hospeda sua excelência o Príncipe Escamado?

E a Chácara do Visconde, uma área com 20 alqueires de terra, como está? As duas fileiras de mangueiras estão no mesmo lugar? O casarão branco continua sendo visitado pelo Saci? A jaqueira, ao lado do casarão, sonho dourado do Visconde permanece em sua posição de guarda e vigilância? Os ipês plantados pelo Visconde floriram quantas vezes? Ipês brancos, amarelos, roxos. As árvores de pau-de-ferro, madeira dura como a própria vida, porém, quando usadas como remédio, curam doenças do reumatismo, bronquite, ulceras. Foram plantadas, no Sítio do Pica Pau Amarelo dezenas e dezenas delas. As aroeiras que, atendendo ao pedido do Sr. Visconde, deixaram a caatinga, serrados, para morar em Taubaté, essas árvores ainda estão em pé?

Nesse universo vivenciado por Monteiro Lobato, o avô fazendeiro plantou mudas de árvores de todo o Brasil. Não temos nenhuma certeza, mas parece que Taubaté não preservou nem um décimo dos sonhos do velho Visconde.
Na carta de Lobato, escrita em Taubaté, em 1906, o advogado dirige-se a noiva da seguinte forma: “Minha Branca Purezinha”. A idéia de posse, de individualidade e proximidade presentificam-se na colocação do pronome possessivo “Minha” que, ao lado do termo “Branca”, reforça a adjetivação.

Lobato, no segundo parágrafo dessa carta usa o seu estado emocional, a sua paixão para explicar à Purezinha, a conseqüência física, o sofrimento do corpo ao afastar-se da presença da amada. Lobato despede-se da noiva em São Paulo, entra no trem que, como é esperado coloca-se em movimento. O frio Paulistano é uma realidade climática. À medida que o trem se afasta, o frio de São Paulo transforma-se em calor, pois o sentimento do afastamento da noiva, uma sensação interior é muito mais frio do que a temperatura externa. O frio da alma demonstrado por Lobato é gradativo, vai aumentando de acordo com a velocidade do trem. O jovem escritor chega em Taubaté com a alma em frangalhos, entanguida, espírito enrijecido pelo frio que congela o coração apaixonado.

Prof. Carlos Roberto Rodrigues