O menino Gaetano nasceu na feira dos Arcos, sob uma banca de abóboras para doce. A banca pertencia a dona Sinhá, benzedeira de quebranto, íngua, dor de barriga. Ela não chegou a conhecer os pais de Gaetaninho. Dizem os seres viventes na época que, na segunda-feira, princípio da semana, ao montar a armação de sua banca, o recém-nascido estava sob as madeiras envelhecidas do seu pequeno comércio.
Ela o criou, ensinou-lhe os segredos da venda, ensinou-lhe as leituras das letras, das frases, dos textos, e como torear a vida. “a vida Gaetano, é uma arena. Os touros bravos, graúdos, formados em estudos, doutores, estrelados, trate-os com educação. A educação, a humildade, a sabedoria da rua, abafa o furor dos touros neurastênicos”. Essa foi a lição deixada para Gaetaninho, pela “mãe” Sinhá.
O menino nunca cresceu em altura, porém, usando pensamento próprio, passou a anotar num caderninho de marcas as compras a prazo, os acontecimentos dos seus dias. No domingo de sol, fui entregar umas laranjas para residência do General Deodoro da Fonseca. Homem de olhar duro, feição de bicho estéril, grosso, desconfiado, assustado e respira muito mal.
Fiquei sabendo, pela leitura de pensamento, que foi o autor do primeiro golpe político do Brasil. O plano, na verdade, saíra da cabeça de José do Patrocínio. Porém, ele tivera coragem de trair seu grande e benfeitor amigo D. Pedro II, por outro lado, colocou a igreja em seu devido lugar, afastando-a do Estado. Quem casasse, somente na Igreja Católica, não praticava nenhum ato legalizado, poderia ser amoroso, erótico, por necessidade, mas sem valor legal, nem para comprar fiado na venda de José Honesto tinha valor.
O temperamento do homem era uma misturança de pimenta malagueta, ditadura, ausência cultural. Antes de renunciar, nomeou a sobrinhada a cargos importantes: Flavinho, doutor cacauista; Eduardo, doutor em bifes de carne moída; Carlos, o filhote da fofoqueira Candinha.
Na madrugada da renuncia do senhor Deodoro, fui levar uvas frescas ao presidente sucessor, um homenzinho, cheio de tiques nervosos, chamado Floriano Peixoto.
Eu não me lembro direito, mas na quinta-feira, vários militares de alta patente, redigiram um documento de declaração, contra Floriano Peixoto. Ele comprou uma dúzia de laranja mexerica, bem azedas, chupou-as com ganância, e, logo depois, demitiu os generais e aposentou, compulsoriamente, um capitão pelo pequeno deslize de escrever o seu nome errado; ele assinara assim: Bolssssssonaro, com seis s.
Eu comprei um carregamento de abacaxi do norte para vende-los no Rio. A barcaça que me trouxera as frutas fora impedida de desembarcar no porto. De uma hora para outra, surge a Revolta da Armada, contra Floriano, sob o comando da marinha.
Os canhões atiraram na cidade do Rio, não acertavam nada, mas atiravam. A marinha dos Estados Unidos, irmã por pequeno interesse, veio colocar a paz no Estado Carioca. Cobrou alguns dólares, mas Floriano parcelou a dívida em dez anos.
Na feira do mercadão, conversamos com o povo, com gente de valor. Conheci um gaúcho chamado Teodoro, que me narrou a guerra acontecida no Estado do Rio Grande. Dois figurões disputaram na ponta das armas, o cargo de Presidente do Estado. Um deles, nomeado por Floriano, tinha o nome de Castilhos; o outro, opositor, atendia pelo nome de Gaspar Silveira Martins. Houve batalhas, feridos e mortos. Aconteceu invasão em Santa Catarina, Paraná e ameaça contra São Paulo.
O mais medonho aconteceu na cidade de desterro, em Santa Catarina. Lá, nessa cidade, havia uma Fortaleza na Ilha de Anhatomirim, onde as tropas de Floriano Peixoto prenderam 180 soldados revolucionários. A noite não se esqueceu do seu horário; a lua levantou-se sobre as ondas do mar; as estrelas brilharam além de suas potencias iluminarias. Alguém cantou uma canção, num barco solitário, e Floriano ordenou o fuzilamento dos 180 revoltosos.
Após a canção dos tiroteios, um jacaré, vítima de uma vacina contra tosse, revoltadíssimo. Batizou a cidade de Desterro de Florianópolis.
Todos que leram o texto até aqui, sabem que eu nasci debaixo de uma banca de mercado; não entendo, nem por magia, porque não cresci e o envelhecimento não se aproximou de mim. Só posso afirmar que o meu nome é Gaetaninho, educado por dona Sinhá. A história teve, por alguns motivos, complacência comigo. Assisti a Revolução Militar de 64; conheci os quatro militares que comandavam o país, todas vítimas do anjo Abadan, auxiliar biológico de Deus. Sem que Deus pusesse atenção, o anjo Abadan, mandou os quatro generais para o Brasil sem a colocação de cérebros. Eu vendia, todas as tardes, dúzias de limão cravo, aos presidentes militares, um remédio que, segundo os índios tapaxós, possibilita o despertar de um pensamento diário.
Agora, neste instante, estou entrando na justiça solicitando o direito de “cometer o suicídio assistido, por constatação de estar vitimado com o vírus da desilusão planetária.”
Os motivos alegados para o suicido assistido:
Primeiro: comprei umas terrinhas, perto da Mantiqueira; plantei milhares de manivas -sementes de mandioca. A terra perdeu adubo, esterco de vaca, o que levou a brotar centenas e centenas de bolsonaristas, mandiocas encharcadas dos mugidos dos animais.
Segundo: Bolsonaro, candidato a presidente, assassinou a língua portuguesa, até o presente momento unas duas milhões de ocorrências; nunca leu um livro, pois sofre de incultura crônica; já teve dez gibis, mas só leu as capas e, o que mais gostou foi a história de Tarzan, segundo ele daria um excelente Ministro da Educação brasileira. Bolsonaro não conhece etiqueta social, diz que o Brasil está enfrentando uma grande infração, no entanto, basta subornar o fiscal que aplicou a multa.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues