Não há certidão de nascimento em nenhum palácio, mansão, casa de camponês que comprove o nascimento do menino Caedere, o herói de inúmeras cidades do reino de Coronational, um dos mais desenvolvidos da região de Armeniata.
Caedere mamava durante a madrugada, e esse fato foi constatado pelo Padre Joseb, todo o estoque de leite existente no corpo da Mãe Dadivosa; no restante do dia, chorava, gritava, batia as pernas e os braços e comia o que lhe davam, coisas como cenoura, beterraba, grão de trigo. Como costuma acontecer com todo historiador meio apressado, esquecemos de dizer que Caedere nasceu com todos os seus dentes definitivos, brancos, largos, devastadores.
Na sua meninice, junto com outros garotos, frequentou a escolinha dominical, criada pelo Padre Joseb, na igrejinha das campinas. As letras brigavam com o moleque, os números abalavam a sua cabecinha, princípios filosóficos lhe esmagavam os pensamentos, a presença de Deus o assustava. Caedere adorava correr, matar passarinhos, brincar com espada e dentro das profecias encantava-se com os cavaleiros medievais, com os heróis de pequenas e grandes guerras, ficava louco ao assistir um combate, mesmo motivado por uma simples competição.
O seu crescimento corporal se deu de um dia para o outro. Na tarde das aves brancas, início da colheita de trigo, partiu de casa, despediu-se dos pais, dos poucos amigos e tomou os rumos sem princípios de um mundo recheado e grávido de aventuras.
Andou durante 36 noites; durante os dias trabalhava fazendo os arranjos que encontrava. No 37º dia conseguiu uma vaga no exército do cavaleiro Mourano, um tipo de mercenário defensor dos senhores de terra e negócios alternativos.
Lutou, guerreou com moinhos sem vento, derrotou o exército dos nadas, venceu a batalha do Rio Bobagem, recebeu a patente de Caput. Um mês, após essas vitórias conversou com um frade do Mosteiro do Monte Olhe, deu um depoimento, contou uma história, narrou lutas internas e confessou ao religioso que, como cavaleiro Caput, deveria ganhar mais, umas 10 moedas de ouro lavado. Foi preso; foi denunciado como corruptor e veiculador de indisciplina.
Houve uma reunião na colina do Planalto de KJ, com a participação de 12 cavaleiros, para discutir o destino de Caedere. Todos ergueram a espada, coçaram a genitalogia, gritaram o slogan dos cavaleiros “Maricas! Não!”, e o colocaram no estoque dos remunerados.
Caedere cavalgou por 6 dias na direção do concílio, chegando a cidade de Brasada, no começo da noite. O Rei de Brasada fora devorado pela bruxa Profundezas do Sal, onde moram os frutos do mar. Caedere, sem ter o que fazer, candidatou-se a cavaleiro rei do local. Ele falava mal, gritava mal, exaltava-se diante de questões insignificantes, brigava com os frades responsáveis por anotar os acontecimentos do vilarejo.
No poço do Mourão, um esteio feito de madeira de qualidade sem significado, Caedere foi picado por uma formiga Tocandira, na altura dos intestinos. Teve febre, delírios, suores, dor de barriga, desmaios, e perda de consciência. O povo de Brasada, penalizado, triste, desamparado, elegeu o jovem Caedere para rei cavaleiro do vilarejo órfão e abandonado.
Caedere tomou posse, nomeou 600 cavaleiros para ocupar cargos civis e, como louco, iniciou o restauro da região. Sua primeira grande obra foi incendiar a metade da floresta de Amazon, uma mulher guerreira. No seu segundo mês de mandato, um rato chamado Naro carregado de pulgas e de um bacilo batizado com a referência Yersinia, mordeu o cavaleiro Babião, que mordeu o Cruz dos Santos, o Preto Guedes, que afagou o Lorenzo. E a tal da Peste Negra invadiu o reino e regiões próximas. A morte visitou o vilarejo nos segundos, dentro dos minutos, das horas, dos dias.
O rei cavaleiro Caedere, laçado pelo desespero, nomeou a chamada Cavalaria Paralela, para combater a peste de várias cores.
O número de mortos consumiu todos os números conhecidos naquela época. Era impossível conta-los, marca-los em pergaminho, cifrá-los nas pareces das cavernas.
A noite veio trazendo um risco brilhante no céu, risco e um rabo enorme, avermelhado de tinta vergonhosa e irracional. O risco varreu a sujeira que estava acima do braseiro; uma energia com gosto de luz sobrevoou tudo, levando o cavaleiro Caedere em direção ao limbo sem cor, sem ar, sem vida, lotado de patavina mas, tendo o fim como conclusão e Deus acima de todos.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues