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terça-feira 24 dezembro 2024
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Leitura de Taubaté – O velho e o novo

A independência nasceu de um grito. Esse grito só foi ouvido pelas margens, nem tão plácidas, de um riacho chamado Ipiranga. O Brasil ganhara sua liberdade em relação a Portugal, mas não se livrou da administração lusitana. Em 1806, fugindo de Napoleão, Dom João VI, rei de Portugal chegou ao Brasil. Trouxe a mãe completamente louca, a mulher chamada Carlota, formada pela escola de messalinhagem profissional, e 15 mil funcionários da corte. Nesse período, havia no Brasil um soldado chamado Manuel Mendes da Fonseca; conheceu uma moça bonita, saborosa, casou-se; teve 10 filhos e um processo por insubordinação.

Um de seus filhos, chamado Deodoro da Fonseca, entrou para o Colégio do Exército, onde fez o curso de artilharia, equivalente ao colegial. Continuou no exército como um tarimbeiro, significando soldado sem formação superior.

Não sabemos explicar psicologicamente as desandanças do soldado Teodoro, mas era indisciplinado, revoltado, irrequieto, grosso, sem cultura militar ou civil. Esteve preso umas 5 vezes, usou o tempo da prisão para idealizar-se como um grande soldado, herói de alguma causa.

Trabalhando num destacamento no Mato Grosso, colocou seus olhos, meio vesgos, em Mariana Cecília, vinda de um meio militar, tinha 34 anos, era uma mulher inteligente, bonita, traços sedutores, mais velha que Deodoro.

Namoraram, noivaram, casaram-se na tarde de São João; passaram a lua de mel no Parque do Retiro. O ano de 1864 veio montado na onda do rio Espanto, parou na esquina do Desmundo, demonstrando a que veio. De início, colocou em sua mesa a Guerra da Tríplice Aliança, uma união do Brasil, Argentina, Uruguai, contra o Paraguai. Essa guerra foi uma das mais violentas da história, ondas de sangue correram pelas ruas e campos; milhares de corpos boiaram nas águas dos rios; crianças decapitadas, mortas pelos golpes de espadas, queimadas, morreram sonhando com escolas, mulheres sufocadas, mortas violentamente, deixando amores desnamorados.

Deodoro despediu-se da mulher, dos poucos amigos, do padeiro e partiu para a guerra. Lutou ao lado de Osório, matou muito ao lado do general; lutou sob os comandos de Caxias, arrebentou muradas, casas, soldados famélicos, povo enlouquecido dançando sobre uma guarânia desmusicada, muda. Ao término da maioria dos combates, retornou ao Brasil na hierarquia dos coronéis, peito medalhado, tendo no corpo litros de sangue vampirizados nos combates.

Dom Pedro II era um homem. Esse homem era um estadista, um leitor afoito, um político definido, um profeta dos minutos e das horas, um amante das coisas que ilustram a vida. Esse mesmo homem nomeou Deodoro ao cargo de Comandante das Armas, e Vice Presidente da Província do Rio Grande do Sul, um solo plantado de sementeira da dissidência, das teorias positivistas, de fagulhas de sonhos republicanos.

Deodoro auxiliou na administração, ocupou-se das ações estabelecedoras da ordem na região, tentou socializar-se na medida do possível. Na festa de São Sebastião, em meio às ruas coloridas, Deodoro colocou o seu olhar no rosto de Adelaide Meireles, baronesa do Triunfo, mulher linda, culta, sábia. O coronel embalou-se, seu corpo e pensamento exaltaram-se, seu coração trepidou-se furiosamente. O coronel tentou o possível e o impossível, nada deu certo, nenhum movimento chamou à atenção de Adelaide. Nas semanas seguintes, sem medir palavras, mandou-lhe cartas, bilhetes, poesia rudimentar, o silêncio foi o resultado obtido.

No sábado, dia de feira de rua, o coronel parou na esquina do bar do Penedo, para conversar com o cabo Anésio. A conversa dominava a vontade dos dois amigos, quando a baronesa do Triunfo passou de braços dados com o político Silveira Martins, líder do governo no Estado. Deodoro perdeu a cor, tremeu, ferveu quilos de bílis, combustando um ódio mortal. Não saiu de casa por uma semana, arquitetando centenas de maneiras de extermínio silencioso e sem deixar provas.

Deodoro, depois da ira amenizada comemorou os seus 60 anos, cortou o bolo, saboreou empanados, recebeu abraços ardentes dos bajuladores. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, acontecia a Questão Militar, movimento contestador e reivindicatório, almejando aumento salarial, promoções mais rápidas, valorização das forças armadas. Deodoro, acometido de uma fortíssima crise de asma, escreveu um artigo para o jornal local, defendendo as ideias dos revoltosos. O seu artigo resultou na demissão do seu cargo e a sua transferência ao Rio de Janeiro. Arrumou as malas, passou enfrente da mansão da baronesa do Triunfo, jurou-lhe amor e desejo eternos. Passou pela calçada do prédio da Assembleia, prometeu a ampliação do ódio contra Silveira Martins, cuspiu no chão, passou os solados das botas por cima jurando vingança.

No Rio de Janeiro, andando por várias ruas ideológicas, entrou em contato com a mocidade militar afeiçoada a Comte. A cabeça de Deodoro não conseguia filtrar as ideias Contistas; também, por formação e pela amizade ao Imperador, não engolia as ideias republicanas. Os descontentes do Brasil, todavia, ansiavam pelo novo sistema político. Os intelectuais, industriais, comerciantes estavam enfadados com o programa de reformas do gabinete do Visconde do Rio Preto.

Convencido pelos jovens republicanos, na madrugada de 15 de novembro, Deodoro organizou duas tropas de cavalaria; marchou pelas ruas do Rio e tomou a direção que levava ao Campo de Santana, onde ficava o Ministério de Ouro Preto. Não precisou dar um tiro; não precisou gritar, pois estava dominado por uma asma mortal, mas, mesmo assim, derrubou o Ministério, proclamando a República em nome do Império e do Imperador.

Os revolucionários abriram uma caixa de bandeide, colocaram um remendo na ferida do Brasil, criando um Governo Provisório, com Deodoro como presidente. Os jovens participantes da epopeia republicana criaram vários cargos e os assumiram. Deodoro nomeou os irmãos aos humildes cargos de intendentes, fiscais, diretores de órgãos administrativos, e, no final da tarde, criaram uma nova bandeira para o Brasil, incluindo o pensamento contista: “Ordem e Progresso”. Trocaram os nomes das ruas e avenidas do Rio, criaram a lei de censura aos jornais e revistas.
O presidente, vivendo o início de uma calvície próspera, pálido, indeciso, não falava bem, estéril, sem cultura, e, quando contrariado chamava para briga. No entanto, percebia que a economia ia mal, sofria de uma doença chamada encilhamento que afetava a estrutura da nação. Os juros tonaram-se obesos, os especuladores nasciam, procriavam-se como coelhos, a inflação galopava dentro e fora dos bancos. Deodoro, diante do caos, reuniu o governo e convocou uma constituinte, que nasceu através de uma cesária, convocando eleição para presidente, por meio do voto indireto assim, como nas histórias infantis Deodoro assume a presidência constitucional.

Nesse governo, meio quimérico, o autoritarismo ganhou status de normalidade, a economia produziu o desespero. Em delírio, pronunciando pensamentos desorganizados, sem começo e sem fim, dissolveu o congresso. Em noite sem estrelas, sonhou com um boneco de madeira falante e, por conselho de alguém decretou Estado de Sítio. Os fatos, quando o político perde a mão e o braço, os fenômenos começam a acontecer. No bairro da Conceição ocorreu uma epidemia de febre encilhada, coisa séria. O presidente fingiu que a epidemia não existia, era coisa dos fracos, era uma gripezinha.

O almirante Custódio de Melo, homem honesto, sério, sensível, tomou o encouraçado Riachuelo, comprado da Inglaterra, apontou todos os canhões em direção ao Rio de Janeiro, exigindo o afastamento do ditador. Deodoro, estirado em uma cama, tremendo de ódio, raiva, dor, fúria; lembrando-se da bela Adelaide, assinou a carta de renuncia dizendo: “Tudo por causa de uma gripezinha!”

O Brasil chorou lágrimas azuladas, o povo chorou lágrimas amareladas, Adelaide riu um riso branco e vivo; o garoto Covidesco, nome horrível, ordenança-mirim do general disse: “ Eu sabia que ia dar nisso!”

 

Prof. Carlos Roberto Rodrigues