Na semana passada, mesmo que rapidamente falamos da comédia que envolveu a renuncia de Jânio Quadros da presidência do Brasil. A comédia residia no fato de que a renuncia estava dentro dele, jamais houve forças ocultas opressoras ou conflitantes; o que aconteceu de fato é que, o interior de Jânio onde nascera o golpe solitário para tomar o poder, era tão enxovalhado como a sua medíocre espiritualidade.
Mas de qualquer forma, a renúncia ocorreu e Jango, vice-presidente, estava na China em visita oficial, portanto a trabalho.
Olhando dentro do Brasil, nesse instante, os intelectuais, os advogados tentavam entrar na constituição, ler e reler as leis, palavra por palavra, mas, impressionantemente, tudo estava claro: “Caso o presidente renuncie, cabe ao vice-presidente completar o mandato”. Jango, acomodado pelas normas, deveria completar o mandato de Jânio Quadros.
O presidente da Assembleia Federal, Ranieri Mazzilli, cumprindo a constituição assumiu a presidência até o retorno de Jango, que estava na China. Nos bastidores do poder, nas Forças Armadas, no Judiciário, os comentários saiam do miolo encardido das gavetas, dos armários, dos egos dos militares. Próximo à cantina, um ministro, bem calvo, disse: “o homem é um boêmio, um seresteiro, não reúne nada que o aproxime da imagem presidencial”. Um general azulado, magrelo, goebbelino, olhos de águia disse: “Jango vive tendo caso com atrizes, vedetes, mulheres casadas e insatisfeitas, nem o seu sorriso é de presidente”. O secretário de finanças, tomando um café, pronunciou uma sentença: “quando o Jango era ministro do trabalho, duplicou o salário mínimo, ganhou a popularidade velada; fizeram-lhe música, poesia, muita literatura de cordel”.
Um deputado humilde e simples, mas doutorando em ciências políticas, participou do comentário: “Vocês estão errados. Comunismo é uma ideologia, um sistema político do qual Jango não participa e nunca participou. Jango é marxista, um admirador da filosofia de Marx, um admirador e crítico do filósofo”. Teodoro Galpano, um militar da reserva, disse: “Jango é um político que tem o rabo preso com a reforma agrária; sonha em nacionalizar empresas, remodela-las, ou sei lá o que. E, além de todas as coisas, a sua mulher tentou o suicídio por causa de suas andanças noturnas”.
No congresso havia os que amavam Jango; havia os que o odiavam por motivos pessoais; existiam senadores que sonhavam com Portinari pintando notas de mil dólares, por ordem de algum presidente profético e passageiro. No estomago de todas essas opiniões, altamente especializada, senadores, deputados, militares resolveram substituir o sistema político, ou melhor, trocar o sistema presidencialista pelo parlamentarista procurando, por esse acerto controlar Jango.
Jango retornou ao Brasil, foi até o apartamento de Luis Vieira, para ouvir as canções que marcaram a sua infância.
Jango governou em nome e orientação do parlamentarismo por um tempo, os processos arrastavam-se como tudo o que nasceu para ser arrastado, e o Brasil, sonolentamente, entrava na depressão.
Procurando oficializar um sistema político em andamento, lançaram um pleito eleitoral, pretendendo que o povo escolhesse o melhor procedimento político para organizar o país, parlamentarismo ou presidencialismo.
O coronel Areias explicou para a sua tropa o que era o parlamentarismo. O esclarecimento começou assim: “parlamentarismo é uma palavra latina; vem do adjetivo palerma, que na época significava falar, discursar, planejar, sem o mínimo de racionalidade”.
A eleição ocorreu no dia 06/01/1963, dia festivo, diferente, pois pela primeira vez, o povo não sabia em quem votar. O presidencialismo ganhou maciçamente e, segundo o José da Silva, o presidencialismo era um homem bom, correto, honrado.
Partindo desse ponto de vista Jango lutou pela aprovação das suas propostas de base, ações que ampliariam os limites que estagnavam o país. As reformas pretendiam a realização da maior e mais organizada reforma agrária já feita no país; a instauração da reforma urbana, em outras palavras, construção de casas populares, residências para classe média, e nacionalização de algumas empresas estrangeiras, pelo processo de parceria.
Era noite. O público invadira o espaço dianteiro da Central do Brasil, Jango falou para 150 mil pessoas. Uma semana depois, surge o movimento “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, reunindo milhões de pessoas. O movimento nasceu nas cadeiras de inúmeros bispos; evaporou da boca de milhares de coturnos encharcados de frieiras; dos milhares de telefonemas do presidente John Kennedy, comandando o exército brasileiro. E, Jango, caiu de uma turvação magoada, fugindo para o Uruguai.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues