Eu não gosto de sonhar, mas sei que sonhar é uma necessidade, é uma das condições estabelecidas para que a vida se mantenha. Nós somos uma panela de pressão, e agindo como uma caçarola modernizada, andamos, corremos, lutamos, amamos, choramos. À noite, um anjo de asas bem tortas, abre a tampa de todas as panelas do mundo, e o vapor que sai espremido, gritado, evaporado, é o sonho de cada ser humano.
Eu sonhei que estava numa sala linda, móveis e lustres maravilhosos, cruzes de ouro, prata, rubi, esmeralda, ornamentavam o luxuoso ambiente, ao mesmo tempo que, impunha respeito e fé.
Sentado no sofá de couro avermelhado, Benito Mussolini observava os movimentos e os detalhes. O seu rosto parecia uma caricatura mal feita, beiçudo, olhos estatelados, fundindo curiosidade, poder, medo. A careca assemelhava-se a um melão chupado, comido, lambuzado. Ao lado de Mussolini, havia um gnomo de estimação chamado Bolsonaro, nome que no vocabulário dos gnomos, significa “pararicado”, despreparado para sentir o peso que se acumula no ato da vida. Ele era bonitinho, cabelinho penteado, sem barba, olhar insano, gestos nervosos, mas engraçadinho. Era uma espécie de fetiche do ditador.
Numa cadeira do tempo de Nero, o Papa Pio XI, sentado sobre uma almofada feita de nuvens, encarava o ditador. O papa era magérrimo, rosto lapidado em mármore branco, os olhos moviam-se naquele rosto enxergando o além, que não possuía linha limite material ou espiritual.
O ditador Mussolini, passando as mãos na cabeça do seu gnomo, expôs ao papa o motivo que o levava até ali: “Eu preciso do seu apoio, santidade, tenho que encontrar uma brecha que me leve à casa da dona popularidade, preciso ser amado pelo povo, adorado, aclamado, desejado, acreditado, venerado. O apoio de Vossa Santidade ao regime fascista, colocar-me-á nos braços do povo”.
O papa, dono de uma voz que, ao circular pelo espaço, passava a sensação que as palavras pausadas não eram desse mundo. No entanto, unindo as sílabas, a mensagem do religioso dizia: “Nós andamos e nos incluímos no tempo. Os séculos chegavam e partiam; recebíamos dos reis, da nobreza, do povo, pedaços de terras, casas, palácios, vilarejos e cidades. Nesse momento o senhor pede o meu apoio, palavra forte e abrangente, o que o senhor me pede é amparo, sustentação política, aprovação, alimentação temperada com poder, ação, ganância, aproximação com o nacionalismo alemão. Em troca do apoio da igreja, queremos todos os nossos bens perdidos no século XIX, causado pelo processo de unificação italiana”.
Um pouco antes da uma hora da tarde, o ditador italiano assinou o Tratado de Latrão, dando ao papa um território independente. Os padres, monsenhores, bispos, cardeais presentes no H da história, aplaudiram a solução encontrada. Os guardas ou escolta do ditador, presente nessa desistória, aplaudiram as burrice homérica do ditador.
O padre Murilo, padre de confiança da papa, sabendo que o gnomo de Mussolini era artista, mago, mágico, solicitou-lhe um número, uma apresentação para amenizar o ambiente.
Nesse meu sonho excêntrico, todos os participantes se afastaram, formando uma plateia; os servidores do Palácio de Latrão montaram um palco, penduraram máscaras nas paredes, tubos de oxigênio, seringas plásticas de várias cores, o cenário ficou absurdo, incompreensível, mas bonito.
O gnomo agradeceu a todos, dando início ao seu texto teatral: “Senhoras e senhores, autoridades políticas e religiosas, ontem andando perto do poço da Joaninha, encontrei-me com uma bruxa que me abriu os horizontes até o século XXI, apresentando-me de que forma a política tornar-se-á uma comédia nesse século, coisa de assustar, de impactar qualquer ser humano”.
Um dia surgirá um presidente antropófago. O governo do futuro dará uma verba a cada político destinado ao auxílio moradia. Ele era sortudo, usava o dinheiro para comer gente, os pedaços que sobravam colocava-os no freezer para comer no mês seguinte.
Na visita da rainha de Sabá, mulher linda, eu, gnomo de Bolsonaro, fiz um poema, que dizia: “Não existe flor que seja uma coitadinha./Os pássaros não aceitam o apelido de coitadinhos./Olhando a praça pintada com girassóis, há o negro coitadinho./A mulher coitada./O gay coitado./O nordestino coitado./É preciso urgentemente explodir todos os coitados”.
Esse presidente, de algum lugar, no século XXI, tem muito medo de ser preso, morto. Os seus adversários não são políticos, são canalhas, filhos de uma matilha de cães do alto da montanha.
Quando ele dorme, voando pelo céu do seu quarto, batendo as asas, surge o rosto do Ministro do TSE, prendendo-o numa urna eletrônica, lugar abafadíssimo.
Na cidade de São Paulo, terra de Anchieta, Nóbrega, esse presidente surtou, assumiu o seu papel de psicótico das palmeiras do Brasil; aos berros chamou o Ministro Moraes de Canalha. O povo aplaudiu.
De repente, tudo escureceu. E, do medo das sombras, surge um homem chamado Temer que, segurando uma caneta, escreveu uma carta de retratação. O presidente alucinado assinou a carta com as mãos cheias de dedos trêmulos.
Depois deitou de costas/ sonhando com o Coronel Ustra./Ustra o acariciou, passou as mãos pelo seu corpo./ Beijou-lhe o rosto./E o presidente dormiu/Nos braços do coronel Ustra que cantava: Durma neném que o Ustra vem te pegar. Mamãe está na tortura/Papai já foi torturado/Durma neném.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues