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segunda-feira 23 dezembro 2024
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Leitura de Taubaté – Nau dos loucos

A loucura sempre despertou os interesses da ciência, dos sábios, dos curiosos, do povo que passa, muitas vezes, pela lateral dos acontecimentos.

No Egito antigo dos Faraós, os sacerdotes e curandeiros abriam o crânio dos loucos a procura da causa da doença. Vasculhavam o cérebro dos alienados em busca de uma explicação, de um motivo, de alguma coisa concreta e visível que desligasse o ser humano de sua racionalidade.

O poeta Homero na Grécia antiga, afirmava que a loucura estava em todos os lugares, pois os homens eram bonecos feitos por deuses. Esses deuses, como as crianças fazem, brincam com seus bonecos nas ruas do Olimpo. Uns bonecos representavam seres inteligentes, sábios, intelectuais; outros, feitos com traços mais cômicos, atuavam como camponeses, operários, trabalhadores; outros, por motivos inexplicáveis, nada lhes interessavam, caminhavam sem estradas, dançavam sem música, cantavam em velórios. A humanidade se move no interior da vontade dos deuses, são possuídos pelos apetites divinos.

Sócrates, possuidor de uma visão ampla, destemida, via a loucura no corpo dos profetas, homens possuídos pelo delírio de um deus. A loucura, em seu arquivo de buscas e justificativas para as ações humanas, estava presente nos rituais religiosos que, por alguns minutos, levavam os crentes ao êxtase, ou seja, fora do mundo real, concreto, sinistro. O filósofo vivia no mundo das ideias e no mundo das divindades, por isso acreditava na loucura amorosa, uma espécie de desligamento do universo racional, provocada pela deusa Afrodite, a filha do Titã Cromos. Cromos matou o pai, esquartejou o corpo, retirou seus órgãos reprodutores e o jogou nas águas do mar. Afrodite, a deusa, nasceu das espumas do mar, por esse motivo não tinha traumas, não tinha conflitos pessoais e de origem, era bela e acordava os amores adormecidos, levando alguns seres humanos ao desequilíbrio e alucinação, o mundo só existia na periferia do objeto amado. Para Sócrates, todos os poetas eram loucos, isto é, possuídos por musas apaixonadas, violentadas, revoltadas, mal-amadas.

Platão, identificando-se diante de um espelho, localizou a casa da loucura, o útero gerador do desequilíbrio e os homens e mulheres saídos dessa casa, tornavam-se filósofos, seres humanos que procuravam entender o fenômeno da vida, da existência.

No século XV, segundo Foucalt, havia um navio, um desbravador dos mares desconhecidos que recebera o cognome de Nau dos Loucos. Esse navio navegava sem rumo, sem destino, sem direção, a lugar algum. Essas embarcações levavam passageiros considerados loucos pela sociedade. Todas as cidades classificavam os seus filhos afastados da razão, colocando-os em um navio à deriva no mar.

Não havia piloto, mestre, contramestre, marinheiros; havia passageiros silenciosos, gesticulando, cantando, dançando, brincando com fadas, bruxas, feiticeiras, magos.

Conta-se, nos cais dos portos espalhados pelo mundo, que um desses navios desapareceu no oceano. Não houve noticia de naufrágio, de aportamento ou continuidade de navegação. Os velhos marinheiros, contadores de história com gosto de maresia, afirmavam que essa nau dos loucos foi sequestrada por um disco voador amarelo. O disco abriu a boca, sugando a nau, os passageiros, as suas lendas, estados emocionais, visões reais ou imaginárias.

Outros marinheiros, menos trágicos, narravam fatos inacreditáveis, fazendo força mental podem tornar-se verdadeiros. Eles diziam que os loucos continuaram a viagem, navegaram dia e noite, descobriram ilhas desertas, montanhas no meio dos oceanos, cavernas encantadas e desencantadas, após infinitas noites, chegaram ao Brasil.

Um homem desprovido de razão, possuidor de pensamentos desenfreados, agindo sem o mínimo sentido, pisou em terra, num dia de feriado nacional, dizendo ser um militar incompreendido, um deputado sem projetos, sem ideal, um leitor apaixonado por gibis. No momento de desembarque, fato que não acontece todos os dias, apresentou aos jornalistas os seus filhos frutos da ausência racional.

O presidente de um partido político, adorador de uma praia, em feriados religiosos ou nacionais, entendeu que aquele navegador solitário, piloto de uma nau dos loucos, poderia ser um candidato perfeito a presidência do Brasil.

Os pensamentos podem ter vida curta e longa, antes de serem arquivados. Aproveitando a rapidez dos ideais, o seu partido lançou o condutor da nau dos alucinados ao emprego de presidente. Modelaram-no, fantasiaram-no, preparar alguém para lhe desferir uma facada, retirando-o dos debates televisivos. Assim, sem grandes certezas o chefe da nau dos loucos foi eleito. Agora, neste instante, milhões de eleitores brasileiros preparam uma nova embarcação, coisa bonita de se ver, para devolve-lo ao mar sem nenhuma possibilidade de retorno.

Prof. Carlos Roberto Rodrigues