Em carta de 1906, correspondência vertida em pequenas doses de amor, Lobato coloca-se diante da noiva na condição de um teórico sobre esse sentimento universal, individual, corriqueiro e, por vezes, irregular.
Lobato entende o amor como um reflexo das partituras temporais; há uma feição rastilhada no passado, um pedaço vivenciado no presente e, o restante pertence ao futuro, fração idealizada, sonhada, utopizada.
Para se viver dentro dos três suportes temporais, o apaixonado deve encarar algumas posturas definidas pela realidade: o passado deve ser um papel onde o texto foi lido e relido, não pode espantar, causar dor, mágoa, medo, ou tensão. O presente tendo o seu passado desmistificado é um período que não deve sofrer interferência de ninguém; o futuro, com sua cara de coisa possível, é um projeto acalentado.
Desde o inicio do seu noivado, o escritor não consultou a ninguém, nem mesmo a sua família; nada disse ao avô, o Sr. Visconde de Tremembé, pois não concebia se quer a hipótese de que os “seres parentescos”, ou não, dessem opinião sobre a decisão tomada. O mundo, a humanidade inteira nada tem há ver com as decisões dos dois apaixonados.
O criador do Sitio, procurando equacionar de forma mais esclarecedora e definitiva a sua concepção do que é o amor, explica o que já fora esclarecido ao afirmar que o amor não pode e não deve ser uma realidade pensada, medida, discutida, calculada e hipotética. Uma hipótese partilhada com os pais, os membros da família, com os amigos, é simplesmente nojenta.
O amor, segundo o escritor de Taubaté é uma coisa, uma coisa vivida a dois. Quando o amor se restringe a dois elementos é um amor nobre e elevado além das muralhas do mundo. O artista, partilhando deste pensamento, revela que como um pequeno guerreiro lutaria com todos, até com a família e a sociedade, para garantir a sua dualidade de casal.
Levando a sério o que afirmara do passado, presente e futuro, perdeu a lógica e os argumentos básicos ao ouvir da Dona J. fatos ocorridos no passado da noiva. Ele mergulhou num poço de conjunturas e refletiu a existência do presente e, como um cavaleiro medieval perseguiu a origem dos acontecimentos, as personagens envolvidas, os atores coadjuvantes e como num lago espelhado a verdade surgiu.
Com a verdade escrita nos punhos da camisa, conversou longamente com a noiva, mostrou-lhe o perigo das ilações feitas por pessoas destituídas de caráter. Por outro lado, fala do passado como um tempo muito significativo, um período pertencido a apenas um. O amor, segundo lobato, é um momento vivido a dois, portanto o passado deve ser transportado aos amantes em direção aos caminhos construtivos de um futuro saudável.
Procurando desviar-se desse assunto pesado, pergunta se a dor de cabeça de Purezinha, presenciada no ultimo encontro, passara ou melhorara. Aproveitando o instante dá-lhe um conselho, não tome remédio para melhorar a dor de cabeça, não tome Migramina, Antiperina, Fenacetina, são venenos embalados em belas caixinhas; procure a causa de sua dor de cabeça, a origem só assim conseguirá a cura.
Falando em outro tema, toca na dificuldade daquele ano de 1906, um tempo que não permite que conscientemente, alguém se case. Casar, segundo ele, não é atitude muito fácil; não dá para olhar, namorar, noivar e casar, viver está custando o “olho da cara”, o Brasil vivia um momento de crise, de quebradeira econômica.
A situação de Lobato, como de todos os brasileiros, não andava ao frescor das ondas. Comenta que o seu negócio em Rio Preto caminha lentamente como lesma; esse negócio que Lobato comenta é a sua nomeação à vaga de promotor público. A lentidão da nomeação leva o escritor ao desespero, ao desejo de não falar com ninguém, fugir de todos, não ler, não escrever, não fazer absolutamente nada! É dessa época que surge a afirmação de que Lobato era antissocial, violento, calado, e, às vezes, muito grosso.
No entanto, em Janeiro de 1907, num conserto no Hotel Central, o escritor encontra-se com Dona J., a mesma da fofoca sobre Purezinha, e o destino, como uma luva, não podia estar em melhores mãos. O dialogo entre os dois não poderia ser mais lindo, mais sublime:
Ela: – O Senhor está magro!
Ele: – E a Senhora, está gorda!
Ela: – Não estou não!
Ele: – Está!
Ela: – Não estou!
Ele: – Está!
Ela: – Não estou!
Ele: – Está…gordona…gordíssima e cala boca!
Prof. Carlos Roberto Rodrigues