O Presidente Geisel, no primeiro minuto de seu governo prometeu uma abertura lenta, gradual e segura. As suas palavras não disseram nada que significasse um grande compromisso com a liberdade. A língua portuguesa teme, um pouquinho só, a palavra abertura, mas não se trata de uma palavra cômoda, tranquila. Ela nasce lá no latim, foi usada por Nero no sentido de abrir alguém, desenhar um buraco perto do umbigo, escalavrar o rego de um cristão, rachar um homem, uma ideologia, ao meio; furar uma elegante cova nos fundos do Coliseu.
O nosso presidente respirou por respirar, dizendo que a tal abertura seria lenta. O vocábulo lento tem um pé quebrado que diz brando, suave; tem uma perna dando a ideia de coisa esticada, vagarosa, arrastada. Em termos de governo, um projeto administrativo aponta para um vazio, um nada versus nada. As sílabas da palavra gradual unidas em si, refere-se a uma vontade que aumenta ou diminui, dependendo, é claro, do peso progressivo da diarreia.
O termo segura é de uso militar e, por isso ramifica-se podendo ser lavrar um pedaço de terra ou pele; procurar evitar surpresas desnecessárias, fabricação de barris, debastar os atos, as ações, as execuções criativas pouco a pouco. O nosso coração de povo entendeu o que partiu daquele rosto sério, feio; o sentido de tudo construiu uma frase na cabeça do operário: “Farei o que der para ser feito, nada além”.
No ano de 1975, num gesto gentil, quase humano, acabou com a censura prévia à imprensa escrita. Na outra ponta da bondade, aumentou a censura ao rádio e televisão. A sua preocupação transparente focava na imagem do general que prendeu um estudante, daqueles bem espertos, mantenedor de um acervo de livros comunistas em sua república. O general agrediu o estudante usando gritos desvairados, segurando o livro “A Capital”, de Eça de Queiroz, pensando ser de Marx. O estudante, calmíssimo, gritou: “general, quero que o senhor vá tomar no orifício situado na extremidade do reto”.
No momento em que o dinheiro, a queda na arrecadação, enrosca nas batinas dos bispos, o sangue sobe para o rosto e, por esse motivo, áreas da igreja posicionaram-se contra Geisel. Em sua gestão, por uma decisão tomada em segredo, o jornalista Vladimir Herzog suicidou-se nas dependências do DOICODI, usando o seu cinto. A causa da tragédia, dizem, foi motivada pelo excesso de maquiagem que o presidente aplicava-lhe, todas as noites, no rosto. Geisel, em sigilo, nessa época, fazia um curso de esteticista numa das unidades do SESC Paulista.
O mesmo aconteceu com o metalúrgico Manuel Fiel Filho, que não gostava do exagero de ruge que o presidente alemão colocava em seu queixo.
Em janeiro de 1979, num instante de saco empanturrado, extinguiu o AI-5, assinado pelo jogador de cartas Costa e Silva. Em outro minuto de saco encorpado, estreitou os laços, os abraços e os amassos com a China e a Alemanha. Da Alemanha, terra dos antepassados, comprou uma sucata nuclear em Berlin. Dizem que essa usina fora visitada pelo imperador Pedro II em um dos seus passeios pela Europa.
Uma de suas obras, aquela que marcou a sua passagem pelo planalto foi elevar a inflação a 18% e, pouco tempo depois a 40%. Os protestos dos trabalhadores subiram pelas calçadas. De um buraco no meio da Avenida São João, num desses movimentos grevistas, pulou um fruto do Rio Tiete, através de um vazamento na tubulação, que foi identificado como Lula, filho do rio poluído. No entardecer do dia 26 de dezembro de 1977, durante uma farra regada a picolé, assinou a lei do divórcio.
O Brasil precisou, necessitou de Geisel, no correr de uma noite do ano de 1993, quando o presidente deu uma entrevista a mídia brasileira, demonstrando a sua capacidade profética, benta, santa. A uma das repórteres respondeu: “O Jair Bolsonaro é um grude de polvilho. A sua capacidade de puxa saco caminha léguas e léguas à frente de Canaã, o espaço prometido. Ele vive agarrando-me, pedindo um novo golpe, uma solicitação transformada em obsessão de um mau militar”.
A outro jornalista respondeu: “Há muitos militares trabalhando no Congresso, nos infinitos departamentos. Não vamos contar o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso fora do normal, inclusive, um mau militar”.
O grande acerto de Geisel fixa-se, primeiramente no emprego da palavra caso e, na sequência a capacidade de enxergar a normalidade na constituição psicológica do nosso atual presidente. Calígula, no império romano, era visto como um caso, uma ocorrência fora de qualquer circunstância necessária. A sua imagem de imperador veste a máscara do desequilíbrio, inconstância, alucinado, delirado por ele mesmo.
A palavra anormalidade nasceu lá no latim, palavra muito usada por Theo, filósofo das ruas de Atenas. Theo adorava uns goles de vinho, adoração que o projetava para o futuro. Lançado para um planalto com rampa, alvorada, concha para baixo, concha para cima. Theo viu o homem que, em nome do povo comanda tudo aquilo. “O rosto dele me parece anormal, sempre desconfiado, com medo, demonstrando más ideias, péssimos pensamentos; tudo em sua figura é irregular; comportamento, vivência, um ser inexplicável, emocionalmente estilhaçado, adora a morte, vive no reino de Tanatus”.
Antes de partir para Grécia, para sua Atenas, Theo deixou umas sílabas gravadas no chão: “Houve um chefe, bem antes desse, chamado Geisel que perdera um filho com 16 anos vítima de atropelamento. A partir desse momento, não encontrou a felicidade em seu mundo e em sua vida. Em referência a Bolsonaro, num desses pedaços de horas tristes, Geisel disse que Deus não fizera o homem à sua imagem e semelhança; se olharmos bem para o chefe da alvorada, no mau militar, Deus não erraria tanto.”
Prof. Carlos Roberto Rodrigues