Fernando Henrique Cardoso nasceu no Rio de Janeiro, no meio do cartão postal da beleza brasileira. A sua família compunha a chamada classe média alta. Fernando viveu uma infância feliz; andou pelos clubes, passeios públicos, brincadeiras de rua, peças de teatro infantil. Recebeu uma educação esmerada, bem orientada. Na adolescência, mesmo vivendo todos os conflitos costumeiros estabelecidos pela idade, leu Balzac e sua análise psicológica de todos os níveis da sociedade francesa; encantou-se com a literatura de Victor Hugo, um grito em nome dos direitos humanos; o seu Quasimodo, personagem da obra Notre-Dame de Paris representa a vida social da França do século XV, momento em que a fome, a violência, o abandono, a ignorância caminhavam de mãos dadas pelas ruas e praças de Paris; navegou pelos mares de Jorge Amado e o sufocamento político apertando o cérebro dos brasileiros.
Foi na USP, de 1952, que se graduou em Ciências Sociais, sendo aluno de professores como Antônio Candido, Florestan Fernandes, homens que participaram ativamente da formação de uma consciência nacional no país. Nesse ano, ultrapassando todos os limites da ingenuidade racional, os Estados Unidos explodiram, em fase experimental, a primeira bomba de hidrogênio, tendo a capacidade de 10 megatons, cerca de 10 milhões de toneladas de TNT.
Aos 21 anos, casou-se com uma colega de classe, Ruth Vilaça Correa Leite, filha de um contador e de uma professora de biologia. Era mais velha do que Fernando, conhecia a vida exposta nas prateleiras do mercado social, usando a realidade como ponto de partida.
A sua atividade acadêmica desenvolveu-se passo a passo, conquista por conquista, na própria Universidade de São Paulo. O casal teve 3 filhos e a vida acadêmica continuou o seu rumo, a desenvoltura possível e necessária.
O casal Jean-Paul-Sartre e Simone de Beauvoir, em viagem ao Brasil, foi ciceroneado por Fernando e Ruth. Sartre, um dos pais do existencialismo Frances, o homem que pensou a sociedade pela essência do pensamento, viu o ser agindo por si e não pela ação dos outros.
Em 1964, após o golpe político-militar, tropas do exército o procuraram, vasculharam casas de amigos, parentes, repúblicas estudantis. No mistério que todas as noites possuem, reuniu a família e se refugiou na Argentina. Da Argentina, percebendo que a segurança ainda recebia ameaças, foi para o Chile. Em 1969, no mês de maio, Fernando Henrique e outros professores da USP foram aposentados compulsoriamente, fato que, na época, significava a proibição de exercer o magistério no Brasil.
Em 1975, sentindo saudades do Brasil e, ao mesmo tempo, acertar uns contratos de direitos autorais resolveu visitar o Brasil. Nessa viagem, foi detido em São Paulo, pela famosa Operação Bandeirantes, encapuzado, para evitar futuros reconhecimentos, enfrentou interrogatórios pesados, horas e horas, respondendo as mesmas perguntas.
Retornando ao Chile, após liberação da Polícia Federal, lecionou no próprio Chile, na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra. A realidade política do Brasil, as consequências sociais da violência ditatorial foram apresentadas ao mundo.
O retorno ao Brasil aconteceu no ano de 1978. Esse ano não comprometeu a linearidade da história dentro do mundo. O Papa Paulo VI despediu-se da vida; João Paulo II assume o comando e a missão de pastorear os homens de fé; um alucinado chamado Matheus Cavalcante ataca a imagem de Nossa Senhora Aparecida; Fernando Henrique filia-se ao MDB. Na realização da eleição para composição do Senado e Assembleias, consegue ser eleito à Suplência do Senado, por São Paulo. Em 1983, substitui Franco Montoro no Senado brasileiro.
Em 1985, ano amargo para o Brasil e o mundo, Fernando concorre a Prefeitura de São Paulo, disputando-a com Jânio Quadros. Nesse mesmo ano, Tancredo é eleito Presidente do Brasil, o país comemorou explosivamente a vitória do mineiro. Em abril, o pesadelo sacudiu a emoção do povo brasileiro, por ocasião da morte de Tancredo. Houve choro, desespero, orações, gritos, desaparecimento da esperança e o medo voltou a rondar os pensamentos de todos. Durante a campanha para prefeito, Fernando Henrique confessa ao país e ao mundo, que fumara maconha, essa revelação recheou a revista Playboy; meses depois, no programa de Boris Casoy, declara que não tinha compromisso com nenhuma religião, era ateu. A resposta das urnas levou São Paulo e sua prefeitura ao comando de Jânio Quadros.
Em 1986, a normalidade das coisas deu uma guinada em direção à euforia momentânea; protestos aconteceram em Brasília; o cometa Harlley desfilou pelos céus do mundo; o plano cruzado nasceu amparado pelo fórceps num hospital não identificado; os fantasmas decidiram passear por Chernobyl, contaminando pessoas, animais, rosas, orquídeas, jardins; Fernando elege-se Senador com 6 milhões de votos.
Dizem que um astro explodiu na oitava galáxia, quando Fernando Henrique e outros fundaram o partido PSDB. Em 1994, Fernando Henrique deixa o Ministério da Fazenda de Itamar Franco para concorrer ao cargo de presidente do Brasil. Em maio, mês dominado pela alegria, Ayrton Senna deixa a vida em San Marino, e uma sombra escura invade um mundo verde-amarelo chamado Brasil. A campanha para presidente caminhou por caminhos estreitos e perigosos. Fernando Henrique vence seu amigo Lula, companheiro nas manifestações contra o regime militar, no primeiro turno.
A sua presença na presidência acelerou alguns processos que estavam travados, a Reforma da Previdência, a Reforma Administrativa e a Fiscal. O país deu uma respirada reprimida há tempos inimagináveis. Antes que a direção do carro desviasse do foco, fez cortes no orçamento, cortando partes dos grandes salários dos intocáveis burocratas. No embalo, sem pisar no freio, privatizou inúmeras estatais deficitárias. Seguindo, ainda, a velocidade do tempo, extinguiu os Ministérios da Marinha, Exército e Aeronáutica, transformando-os em um único Ministério, o Ministério da Defesa, colocando-o nas mãos de um civil.
Um terremoto abalou a cidade de Kobe, no Japão, matando milhares de pessoas, a notícia colocou o mundo inteiro como testemunha da tragédia. O Brasil, andando por estradas sem acostamento, não se deu conta do assentamento de 600 mil famílias de agricultores-sem-terra, uma realidade imensurável para o momento histórico.
Nos Estados Unidos, a cantora Silena, entrou no hotel em noite quase dormida. Yolanda, e sócia da cantora, a matou com um tiro nas costas, por ciúme, vingança, desavenças econômicas.
O país tropical, terra do sol e da garoa, vibrou ao perceber que a taxa de mortalidade infantil despencara; a expectativa de vida da população saltou de 60 para 71 anos.
Dona Ruth Cardoso, uma história a parte do governo. O seu olhar procurava distanciar-se das pompas, das homenagens, da ritualização do poder. Detestava a nomenclatura “Primeira Dama”, entendia a função como uma vaidade machista dos poderosos. Se havia a primeira, oficial, poderia haver a segunda… a terceira… Mesmo vivendo este conflito lançou o programa “Alfabetização Solidária”, reunindo 135 mil alfabetizadores, o apoio de 300 universidades. Era uma mulher sem vaidade, não necessitava da popularidade engarrafada pelos bajuladores, perdera um pouco do romantismo boiado na aguaceira política.
Brasília, filha de Lucio Costa e Niemayer observava a carruagem que levava as realizações de Fernando Henrique, a criação do Bolsa-escola, Vale-gás e o Bolsa-alimentação, saíram de projetos sociais presos em páginas de livros impublicáveis pelo sociólogo.
Na esteira da preocupação econômica realizou uma batalha para conseguir o capital estrangeiro, trazendo a Peugeot, Renault, Citroen, Audi, Mitsubishi, Nissan, Toyota. A expansão econômica do Brasil deu uma acelerada boa, significativa.
Nas tardes ensolaradas que penetram no mundo, na paisagem estabelecida por si mesma, Fernando Henrique encontrava-se com a jornalista Ana Paula, e a vida perdia-se nas cantorias orquestradas pelos gênios dos mais variados espetáculos; no outono, beleza criadora de novos tons de cinza, Fernando e a jornalista Mirian Dutra observavam as constelações sem movimento.
A tristeza ocorreu dentro da própria tristeza, na alteração da constituição, aprovada em junho, dando a Fernando o direito de concorrer a mais 4 anos de governo. O Brasil quando soube, teve febre de 40 graus. O país desfaleceu um bom pedaço de vida.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues