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sexta-feira 8 novembro 2024
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Leitura de Taubaté – Estrada de Ferro Dom Pedro II

Houve muita festança na inauguração da Estação da Estrada de Ferro Dom Pedro II em Taubaté. Explodiram-se rojões, bombas, e a multidão tomou a Praça da Matriz, as ruas do centro, o Jardim da Estação. O Hotel e Restaurante Pereira, situado na esquina da Rua das Palmeiras, anunciou o seu novo prato, filé à Dom Pedro II.

Em homenagem ao evento festivo, uma procissão saiu da Catedral, levando o andor de São Francisco até a subida do Convento Santa Clara, onde a Santinha esperava pelo seu amado espiritual, gesto de fé muito comum naqueles tempos, a busca pelo êxtase na crença. Na verdade houve uma viagem, o santinho saiu de sua igreja, caminhou pelas ruas centrais, para se encontrar com Clara no topo do Convento. Era, no mínimo, uma alusão aos futuros viajantes taubateanos que entrariam nos vagões, enfrentando bitolas estreitas, em busca da Capital ou de São Paulo.

A partir da implantação da Estrada de Ferro, muitos homens alargaram os horizontes de suas vidas, muitas mulheres acompanhadas pelo amor e paixão, selaram seus desideratos amorosos. Aproveitando o movimento dos vagões de passageiro, ocupando um lugar privilegiado nos bancos; as artes plásticas viajaram pelas cidades do vale, distribuindo cores, imagens, beleza e o feio, pintado belamente; o teatro também enfrentou as plataformas das inúmeras estações, carregando malas e malas de roupas de centenas de personagens; homens bem vestidos, com um elegante charuto no canto da boca, viajaram trazendo palestras dentro da cabeça; dezenas de artistas circenses também embarcaram, escondendo dentro da alma, o sonho de grandes bilheterias nas terras meio adormecidas dos Barões de Café.

Em Taubaté, após o respirar apertado da chegada do trem, uns passageiros iam para o Teatro São João; outros, para os clubes literários freqüentados pela elite; os mais simples, mais alegres iam em busca de um terreno desocupado para erguer as lonas do circo.

Taubaté, de mãos postas em sinal de agradecimento, movimentava-se. Mulheres cozinhavam caldeirões de pinhão; muitas acrescentavam na água da fervura, calda de canela; Juvêncio, nordestino, conhecido como contador de História de Cordel, abandonava por uns tempos sua devoção a literatura do norte, e passava a torrar amendoim, centenas de quilo, ensacando-os em canudinhos feitos de papel de pão; a mulata Antonia Cândida fritava seus deliciosos pasteis; Ana Benfica matava as galinhas mais hereditárias do galinheiro, depenava-as, cozinhava, desfiava, para o recheio de suas empadinhas.

Na chegada da noite, lua surgindo no pé da serra, os doceiros e salgadeiros, tabuleiros na cabeça, se acomodavam à frente do Teatro São João, do clube literário, nos saraus musicais dentro dos casarões e na entrada do circo americano.
A voz do palhaço, à entrada do circo mexia com a garotada, e com os vendedores de cocadinhas, bombocados, pés-de-moleque, quebra-queixo. Os lampiões belgas tentavam iluminar o interior do circo, um enorme círculo esparramando luz e sombras; rostos claros e escuros, olhos indefinidos, cores imprecisas, crianças comendo e errando a boca.
Os malabaristas trabalhavam com inúmeras lanças pontiagudas, jogadas no espaço, as pontas cruzavam-se sobre as cabeças dos artistas, soltando faíscas na fricção aérea. Nos vácuos de luz e sombras, o povo comia gulosamente cocadinhas, empadinhas, pasteis, pinhões. Os cavaleiros galopavam sobre cavalos mágicos; os treinadores dominavam as feras com gritos apavorantes e riscos de chicotes alucinantes; os palhaços dançavam, cantavam, gritavam, caiam e, rapidamente, levantavam-se explodindo em chamas, levando baldes de água fria e tombos homéricos. O povo rindo, comendo, chorando, bebendo caldo de cana.
Depois, enquanto a arena era reorganizada para apresentação do teatro, o povo continuava comendo. À noite, espalhadora do sono, entrou em todas as casas e a cidade ressonou. Foi numa dessas noites que, em plena madrugada, o Osvaldinho da Farmácia berrou na Praça Dom Epaminondas, um grito ouvido até pelos moradores do Taquaral da Mantiqueira. O motivo do grito, documentado em papel e tinta, foi a fuga de sua mulher com um palhaço do circo americano, o palhaço Chamaçada.

Prof. Carlos Roberto Rodrigues