O mês de fevereiro, de 1933, tinha brigado com o sol. A neblina andava por todos os lugares de Berlim. O tempo e a história foram pintados com infinitos tons de cinza. Havia medo nos bancos das praças públicas; o terror espreitava as ruas, as casas, as tocas das raposas amarelas; o desespero, a insegurança, a desconfiança eram pratos servidos nas refeições anunciadas.
No Restaurante dos Nobres, os garçons movimentavam-se como lebres do inverno, os convidados chegavam, sorriam, entravam; os homens e políticos, com suas mulheres passivas, arrependidas, submissas. Andar fingido, educação fingida, elegância tolerada, arrogância premeditada. Aos poucos as mesas foram povoadas por alemães tensos e incertos, lideres corretos e incorretos.
Houve foguetório na entrada do restaurante; o burburinho instalou-se nas mesas, nas paredes, na boca dos frequentadores permanentes e dos que, pela primeira vez, sentavam-se nos sonhos do poder, num restaurante cheio de estrelas descontroladas.
Era uma recepção planejada. O novo chanceler da Alemanha seria homenageado e também, faria seu primeiro discurso após a posse. Seu nome era simples, nome afastado das grandes tradições, uma designação humana sem rastros históricos, era apenas Adolf Hitler.
A sua entrada causou frenesi, um pouco de febre, um leve desvario. Era um homem baixo, tímido, encolhido em si mesmo, olhar fugidio, olhava pelas laterais de um espaço preparado para o lançamento de mais uma tragédia humana.
Inúmeros políticos falaram discursos proféticos e alucinados. Os generais falaram projetos de sustentação da ideologia planejada ou não. O quadro, porém, não trazia nada de novo, as mesmas promessas infundadas, os mesmos sonhos sem cartas de fianças, os projetos sem pilastras, sem suportes, sem utilidades praticas, sempre discursos recheados de ventos.
Hitler começou a falar por volta de 2 horas da tarde. A tonalidade ganhava força de acordo com a pronúncia de cada silaba. Os gestos tornavam-se violentos, mas muito repetitivos. A voz alterou-se para encontrar gritos desgarrados, abandonados pelas estradas tenebrosas.
O suor invadia-lhe a testa, banhava o rosto, empoçando-se no colarinho da camisa como uma cascata, inundava-lhe o peito da farda. O olhar do chanceler dilatava o mundo de incertezas; a dúvida puxou uma cadeira vazia e sentou-se. Comeu camarão com chucrute, misturou um joelho de porco, marreco e repolho roxo.
Os judeus, a maioria comerciantes e funcionários públicos, em passeata, deram de gritar na rua:
– O que faremos?
Vai haver confisco de bens
Destruição das pequenas empresas
Desapropriação das casas palacianas
Dentro do restaurante, o homenzinho chanceler, morria como político e renascia como profeta, messias psicótico, um lunático com a avaliação do povo. Meses depois, diretores de cinema, atrizes, empresários judeus, foram intimados a comparecer no tribunal do jure, onde foram notificados pela nova política alemã: – Abandonem seus empregos, propriedades, casas, comércio, ou serão acusados de molestarem mulheres, velhos e crianças. O povo, esse conjunto massacrado saiu em passeata pelas ruas de Berlim apoiando a política do novo chanceler.
O mundo, sem reação, apenas chorou.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues