O sol acordou muito cedo naquele junho de 1916. As praias do Rio de Janeiro, então capital do país, organizavam a movimentação das ondas do mar, a temperatura da água também estava sendo controlada. Os pescadores, em alto mar, pensavam na grandiosidade de Deus e no momento que o oceano fora criado. Os vendedores ambulantes, calmamente, ocupavam os seus espaços na praia. Teodoro, vendedor de bolinho de bacalhau acreditava que os lucros do dia pagariam a consulta de seu filho, no médico morador no Edifício Olinda. O menino era lindo, mas não olhava para ninguém; não falava, movimentava o corpo para frente, gesto que se repetia durante horas e horas. Raimundo, funcionário do Banco Estatal escondido entre os quiosques esperava por Augusta, mulher de Lucindo, para alguns momentos de amor adulterados.
No gabinete do senhor Presidente da República do Brasil, Wenceslau Braz, havia silêncio deliberado, pois na mesa do Presidente repousava um documento, um parecer da Lei 000, aguardando aprovação. O Presidente leu e releu o documento, coçou candidamente a genitália, e assinou o novo texto-lei com muita convicção. A nova lei ajudaria o desenvolvimento da nação, daria mais velocidade aos departamentos públicos, na medida em que estabelecia a permissão, a todos os políticos, funcionários do alto escalão, aos familiares, o uso dos carros oficiais para a bendita solução dos problemas burocráticos e domésticos.
A história é um pequeno espaço anterior ao salão de dança. Nesse espaço, homens sérios, homens desatentos, humanos cômicos registram a ação da orquestra, as músicas interpretadas, o comportamento dos dançarinos, o vai e vem dos passos, das jogadas dos corpos. Vamos, nesse espaço onde o texto é gerado, realizar o vai e vem da dança histórica. O ano de 1890 não foi grande coisa, nem poderia sê-lo. O Presidente do Brasil era um militar, homem asmático procurando ser honesto. O Presidente da chamada Central de Ferro, funcionário de alto escalão, estava comprometido com a expansão industrial do país, embalado pela novíssima República. Esse alto funcionário público desvirtuou a abertura de uma concorrência para compra de carvão. A montagem do processo foi inteiramente interessante. Escolheu, selecionou vários fornecedores de carvão na condição de testas de ferro. O grande fornecedor, realmente fabricante do produto, era um membro da sua família. Usando a força que o cargo lhe oferecia, convenceu o Presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca, a garantir a compra, responsabilizar-se pelos juros, no caso de atraso de pagamento e, se o projeto não desse certo, indenizar os prejuízos. Os meninos de uma escola primária, próxima à central aprenderam que o grito: “Direita! Esquerda! Volver!”, nem sempre encontra motivo para volver-se honestamente.
Pulando para o ano de 1929 e para fora do Brasil, vamos encontrar sentadinha numa pedra, uma das maiores crises econômicas dos Estados Unidos e do mundo, uma genuína “trampeira” de topete loiro, branco, indefinido, um topete com cara de pista de skate. Essa famosa catástrofe foi produzida no tempo que liga a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. O sinal desencadeador foi lançado pela queda das ações na bolsa de valores de New York, levando com sua queda a economia mundial que dançava em desequilíbrio a ciranda, cirandá. Nessa época terrível, Monteiro Lobato morava em New York onde trabalhava como Adido Comercial do Brasil. Meses antes da queda da bolsa, aplicou tudo que ganhara nos Estados Unidos, isto é, na terra de Tramp, em ações robustas e firmes. Apesar de ser consolado por Emília, Visconde, Dona Benta, o escritor entristeceu, chorou, faliu.
A crise econômica de 1929 trouxe a fome, o desemprego, o suicídio, a queda da produção, o sucumbimento de grandes fortunas, trouxe o delírio e um pouco de loucura. O Brasil, apoiado na economia cafeeira perdeu inúmeros mercados estrangeiros.
O governo, preocupado com a situação, comprou toneladas e toneladas de café; reuniu as toneladas de café compradas dos fazendeiros no grande terreiro de festa a São João, e colocou fogo. Dessa forma, com diminuição do estoque, sua desvalorização foi amenizada. A história registrou esses acontecimentos, catalogou os fatos e deitou-se para tirar uma boa soneca, pois ninguém é de ferro.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues