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sábado 23 novembro 2024
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Leitura de Taubaté – D. João VI na CPI

D. João VI adorava a solidão, instante em que seu pensamento desandava pelo mundo, pelos oceanos, selvas desconhecidas, astros, jardins belíssimos. Era obeso meio ajeitado, tinha medo de assombrações, monstros escondidos no palácio; pensava dez vezes antes de agir; enfrentava períodos depressivos, tristes, vagos; fora educado por padres que o rodeavam durante os dias e as noites soltando gritinhos histéricos e benzimentos sequenciais.

No verão de qualquer tempo, Portugal resolveu casá-lo com a princesa Carlota Joaquina, da Espanha, a fim de garantir estabilidade entre os reinos, desenvolvimento dos acordos comerciais, direitos de navegação territorial e também uma colher de chá de paz. D. João VI não era bonito nem simpático, muito menos carismático; tinha 18 anos. Carlota Joaquina era alegre, culta, vestia-se muito bem, cantava, dançava, e era proprietária de um fogo que partia das pernas e subia até a cabeça, circunstância que caracterizava seus dez anos de idade.

A diferença de idade entre os noivos carecia de uma “Dispensa Papal” que, seguindo os historiadores custou um baldinho de moedas de ouro.

O que nos interessa nesse momento é o fato registrado pela história, quer dizer, a fuga de D. João VI ao Brasil, 1808, temendo a invasão francesa e a violência do império inglês.

D. João VI, noticiado pelos seus contemporâneos, foi educado por padres de muita fé, cultura gerada no centro do catolicismo e tremendamente gananciosos e interesseiros. Um menino ou desde menino, deleitava-se com música sacra e assistia à missa todos os dias. A sua educação o conduzia em direção à suspeita; cresceu duvidando de tudo e de todos. Aos poucos ele resolveu aproximar-se da superstição e do sobrenatural.

Viu seu irmão mais velho sofrer de dor de cabeça, incomodo constante; mal estar de esfriar o coração; dores musculares descontroladas; manchas vermelhas pelo corpo. O padre que tratava do príncipe, um tal de Jair Messianico, dizia tratar-se de uma gripezinha, a cura viria através da imunidade de rebanho. O padre Paz Estrada Zuelo, curador e benzedor, encheu o príncipe de vinho com quina, e o pobre príncipe morreu ao entardecer, vítima de varíola.

Dona Maria, mãe de D. João enlouqueceu enquanto dormia; acordou vendo uma população de portumartes, mistura de português com marciano.

Já casado com Carlota, no encontro da lua com júpiter, D. João conheceu o amor. Passou a observar a beleza da natureza, a venerar as rosas vermelhas, o canto dos pássaros, a música popular espalhada pelas violas e, na noite dos sete véus amou Eugênia José de Menezes, da mesma forma que Psique amou Eros, sobre a sombra de um pinus sonhador.

Na sequência dos relatos da desistória, D. João fugiu para o Brasil, desembarcando em Salvador. A capital fez-lhe uma festa, coisa pouca, e D. João VI sentiu o desencanto correr-lhe pelo corpo. A pobreza, a falta de infraestrutura, organização, arquitetura sem estilo, um povo oprimido, triste. O padre Lira questionou o governador, procurando entender o que acontecia para notificar o padre Pacheco, os motivos do atraso e carência. O governador Sr. Doriano, respondeu-lhe: “Não somos uma colônia portuguesa, somos uma fazenda que sustenta milhares de parasitas e corruptos que se masturgozam na corte”!

D. João VI

A turma do rei, mais ou menos 15 mil pessoas formando um cordão de padres santos, alguns padres honestos, doutores, funcionários administrativos, militares, religiosos malandros, corruptos doutorados e aprendizes.

D. João tomou conta do Rio e dos galetos das granjas, abriu estradas, sem tomar um banho, aumentou as ruas comerciais, ligou a capital às províncias próximas e distantes, já tinha liberado os portos às nações amigas em Salvador; fundou o Banco do Brasil, liberou a compra de escravos africanos aos endinheirados e usurpadores; fez esses arranjos sem tomar um único banho e comendo galetos assados, sem os ossos.

Os comerciantes, os traficantes de escravos trouxeram uns 500 mil negros ao Brasil na época do rei, dos galetos e dos banhos de seis em seis meses.

A elite da corte, através do tráfego negreiro, encheu os baús de dinheiro. Uma parte dessas finanças foi usada na compra de títulos de nobreza, e o Brasil olhou-se no espelho ajeitando o seu perfil e buscando a nacionalidade.
Ao anoitecer, tendo as estrelas por testemunhas, os navios negreiros vindos de Cabinda, Quiloa, Rebola, Mina, Benguela, Angola, Congo, Monjolo, Moçambique, trazendo escravos, tristeza, dor, violência, saudade, medo, fumo-de-Angola, também conhecida como cânhamo, diamba, makanha, folhas usadas para falar com os Deuses.

D. João comeu todos os galetos do Rio de Janeiro, tomou alguns banhos martirizadores, uns remendos na ceroula, e retornou a Portugal levando alguns padres, militares queimados de sol, muito dinheiro, um pouco de paixão, afeto, ardor, fascínio, aluamento, mania, dependência, compulsão e muitas histórias para contar aos netos às margens do Rio Tejo, e se necessário, à CPI, agora contando com as rachadinhas dos galetos cariocas.

Prof. Carlos Roberto Rodrigues