O vento resolveu, por decisão própria não ameaçar as ruas de New York. A tranquilidade decidiu sentar-se nas banquetas dos bares, que abriam as portas diante de um novo dia. Os moradores de rua acordaram, juntaram as suas coisas, e partiram a procura do café de todas as manhãs.
O estouro nasceu dentro de um balão saciado de gás; os prédios, os edifícios que arranhavam o céu tremiam como bonecos feitos de neve. O povo saiu às ruas; homens assustados procuraram entender o silêncio das mulheres, os gritos das crianças. Os meios de comunicação afastaram de si o tumulto pessoal, procurando acalmar a população: -“a explosão não veio de marte ou de forças armadas; veio da implosão da Bolsa de Valores de New York, a economia americana e do mundo espedaçou-se, partiu de malas e mochilas para a China ou, quem sabe, para uma província qualquer”.
Os especuladores da bolsa, tubarões esfomeados, controladores do câmbio internacional, tentaram pular de um pequeno edifício de 15 andares. Alguns conseguiram e morreram na queda de um voo sem Check-in, sem passagem, porém, usaram o passaporte do desespero.
Um banqueiro desiquilibrado, afastando as pessoas com suas mãos encardidas pelo contato desgastante na contagem de milhões de dólares, saltou da ponte sobre o Rio Schuykell, na Pensilvânia, imitando o mergulho dos pássaros devoradores de peixes incautos e ingênuos. O seu corpo sacudiu as águas do rio, abrindo um vácuo de espumas esbranquiçadas. No entanto, na passagem de alguns minutos, o especulador arrependeu-se do ato praticado e agitou os braços pedindo socorro. Foi resgatado por um barco de pesca, sob as vaias da população.
No apartamento, 16, do edifício Central, na Fifth Avenue, o diretor da companhia de gás de Rochester, telefonou para vários empresários; falou com a filha por 10 minutos; escolheu o gás comercializado por sua própria fábrica, abriu as torneiras, vestiu-se elegantemente. Partiu envolvido por dúvidas, incertezas, medo, mas, mesmo assim, viajou numa pequena nuvem de fumaça.
Enquanto o mundo incendiava-se, no País de Gales, também parte do mesmo planeta, o Rei Eduardo I procurava entender o que acontecia em seu reino e, para tomar consciência da situação, lia relatórios e sinopses produzidos pela sua equipe administrativa. As minas de carvão estagnaram a produção; meio milhão de mineiros perdeu os seus empregos; a bolsa desceu a escadaria de uma economia raquítica, desnutrida.
O rei, mergulhado em reflexões, vestiu a sua roupa de gala, colocou um cravo vermelho no peito, esperou a noite chegar; fumou dois charutos; entrou no carro luxuoso; partiu envolvido pela escuridão, em direção aos bairros onde moravam os mineiros que, no momento, morriam de doença ou fome.
Nos vilarejos, mais violados pela crise econômica, o rei parava o automóvel, saudando o povo com sorrisos e acenos de mãos. Em um desses momentos significativos, o rei lembrou-se de um ancião que entrara em seu escritório, implorando que o monarca levantasse de seu trono para visitar os vilarejos dos mineiros e, com seus olhos de rei, visse a situação dos trabalhadores da mineração, conhecesse a fome, a miséria, o desanimo, a morte. Esse operário de 80 anos chamava-se Frank Mackay, um homem muito triste que, por falta de opção, entregara a sua vida às galerias profundas, frias, escuras, das minas de carvão.
Pois bem, nessa viagem, o rei interrogou vários moradores, tentando descobrir onde morava o ancião Frank Mackay. Ao meio dia, horário cravado no relógio de ouro de Eduardo I, o trono inglês aproximou-se da casinha numero 104, na subida do morro da Concórdia, residência de Mackay. O rei subiu um bom pedaço do morro; aproximou-se da casa do velho mineiro; bateu na frágil madeira da porta que, assustando-se com a visita real, abriu-se toda; e Eduardo I entrou. Na pequena sala de visitas, sentadas no sofá desbotado, duas crianças sujas e encolhidas, choravam. Ao lado das duas meninas, uma mulher de cabelos grisalhos, rígida como uma pedra; morrera às 2 horas da manhã, vitimada pela estupidez e hipocrisia humanas. O velho ancião não se encontrava na casa, saíra em busca de um caixão para o enterro da mulher.
O rei retornou ao palácio; ordenou que enviassem 29 xelins a quatro moradores do vilarejo dos mineiros, cerca de 50 reais para cada um. Depois desse ato majestoso, Eduardo I retomou a vida de todos os dias com suas horas bem calculadas; entrou novamente no carro; respirou fundo; tomou o caminho que o levava ao clube de caça, local de aventuras e mulheres liberadas de qualquer responsabilidade futura. Tomou três doses de Whisk e colocou uma das mulheres no seu colo, rindo muito, brincando com as mãos, e os pensamentos esqueceram-se da crise, dos mineiros, da queda da bolsa. A vida é assim, não possuindo sentido ou lembrança, e o povo do vilarejo pasmados dentro da fome e do medo, não entendia os caminhos trilhados pela história.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues