A propaganda sempre esteve presente na evolução da humanidade. O seu papel, meio messiânico, consiste em divulgar uma ideia, crença, religião. O seu olhar abarca o universo doa ideias e os desejos retidos dentro das caixas pretas existentes dentro de cada ser humano. A propaganda deve captar o nervo exposto contido no corpo das ideias, a face esculpida em forma de poder emanada na profundidade de cada crença, as raízes desenhadas, projetadas pelas instituições religiosas. Na outra ponta do processo deve trabalhar na divulgação de um determinado produto exaurindo as suas qualidades.
No século XIX, época do romantismo artístico, os propagandistas batalharam pela idolatria da coragem, inteligência e sensibilidade, traços que despertavam, nas mulheres, a exposição de suas vivências e charme reprimidos. Nessa época havia um vinho chamado Mariani; a garrafa era elegante, o rótulo provocativo trazia a imagem do Papa Leão XIII, com seu sorriso quase beatificado. A fórmula, desenvolvida pelo químico francês Ângelo Mariani, compunha-se de cocaína e álcool, em dosagem equilibrada e levemente alucinada. A propaganda do vinho trabalhava com as palavras alegria, coragem, um pouco de ousadia, encaixadas no lembrete: “drinque do Papa”.
O escritor Júlio Verne tornou-se um consumidor preferencial, as taças de vinho o tiravam do seu mutismo pessoal; o dramaturgo Henrik Ibsen, quando tomava o vinho Mariani, transformava-se num piadista das rodas literárias; Alexandre Dumas, Arthur Conan Doyle passavam por uma verdadeira metamorfose intelectual amparada pelo Mariani; Thomas Edson visitava algumas estrelas sob a agitação do vinho; o presidente americano Grant, sofrendo de câncer na garganta e sentindo que a morte rondava o seu leito, tomou umas doses exageradas do vinho, o que provocou, na exposição de suas memórias, a narração de fatos normais, sob a ótica do exagero fantasioso.
Em uma carta à noiva Martha Bernays, Freud demonstrou que possuía, em seu interior, além da capacidade de pesquisa e criação da psicanálise, uma capacidade relevante de “propagandizar” a si próprio. Nesta carta Freud escreve: “ai de você, minha princesa, quando eu chegar. Vou beija-la até você ficar bem corada e alimentá-la até que fique bem rechonchuda. E se você for bem teimosa, verá quem é mais forte: uma delicada jovem que não quer comer o suficiente ou um grande e selvagem homem que tem cocaína no corpo”.
No século XIX, numa tarde movida por ventos do norte, Freud escreveu o seu artigo “Uber Coca”, onde procurou sintetizar, expressando-se com palavras geradoras de significação espontânea, o nível de esperança que a ciência da época mantinha em relação à cocaína.
O cientista da mente, atuando como um publicitário de uma droga possível indicava o seu uso para o tratamento do alcoolismo, de problemas digestivos, de asma, fraqueza física e como um afrodisíaco de primeira linha. É evidente que, nos caminhos apontados até aqui, havia a coragem de um médico que observava, pela primeira vez, princípios psicoativos da droga.
Os laboratórios Merck e Parke Davis lançaram uma linha de produtos à base de cocaína. A propaganda da época esgotou todos os mecanismos de encantação e louvores em torno desses produtos. Havia pó revigorante, bom para enfrentar a solidão e destravar os limites da timidez; extratos fluidos, inaladores, Sprays e tônicos.
Muitos homens e mulheres direcionaram as suas vidas, sustentados por esses remédios inovadores. Nunca se falou tanto em amor, paixão, desejo, tesão como na efervescência desse momento.
O século XIX chegava ao seu fim. O povo caminhava pelas mesmas ruas, as lojas vendiam os mesmos produtos, as confissões percorriam os mesmos becos da cidade, os produtos a base de cocaína moravam nas prateleiras das farmácias. Na esteira dessa vida, no fechamento obtuso de um quarto, uma paciente de Freud morreu de overdose. A morte causou espanto, agonia, conflito e acelerou as pesquisas quanto ao uso da coca como medicamento. Numa pequena Praça de Viena havia uma fonte. Nessa fonte morava uma rã com sua família. Não há informações exatas sobre o acontecido, mas segundo os membros da família dessa rã ela fora vítima de uma doença chamada catarata, causada pelo excesso de luz nos postes que iluminavam a fonte. O médico chamado Dr. Carl Koller transportou a rã para um centro cirúrgico e a operou usando algumas gotas de um colírio extraído da cocaína e o milagre aconteceu: a rã não sentiu nenhuma dor e a descoberta da anestesia ganhara as páginas dos jornais.
Em 1859, após anos de trabalho e pesquisa, o médico Albert Numann conseguiu isolar o princípio ativo da folha de coca, fato que acabou com a festança do uso da cocaína como medicamento. Em 1933, no Prostíbulo da Esperança, no Rio de Janeiro, um jovem estudante de medicina foi preso pela polícia por uso e porte da droga.
A cafetina Margot Carmelia, descontrolou-se, desfilou uma série de palavrões contra o Delegado e o Policial. O tumulto acalmou e caminhou para o fim quando Margot colocou as mãos na carteira fazendo um pequeno agrado aos homens da lei, mas esse gesto não consta dos registros históricos, mas do livro-caixa da cafetina, proprietária do prostibulo. E o Rio de Janeiro ficou em silêncio.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues