Search
sexta-feira 22 novembro 2024
  • :
  • :

Leitura de Taubaté – Cerveja, história, sexo

A situação política, econômica, social e cultural do Brasil, no final do século XIX chegou ao seu limite mais crítico. Nas lavouras do Vale do Paraíba, os cafezais estavam preparados para parir uma das maiores safras do período.
Os escravos, em várias propriedades, cruzaram os braços, fizeram cigarrões de palha e parados, falavam da África, da abolição, do sexo que fora prometido e realizado na noite anterior. Citavam o calor dos corpos suados, gemidos abafados pelos dentes serrados, a morte e a vida confrontadas no fogo do orgasmo, espremido pelas paredes barrentas da senzala.

Artistas, estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, tomavam de assalto muitas fazendas do Vale do Paraíba, dando fuga às escravas grávidas, as que estavam com filhos recém nascidos. E vinha a noite, o silêncio, passos contidos, pés calando os ruídos das folhas secas das árvores espalhadas pelo chão, latidos de cachorro; terror, rosto suado na entrada da madrugada.

O ano de 1887 prometia verdades, profecias, revelações do futuro, entendimento do presente. O Estado brasileiro contorcia-se em seu próprio desespero. Dom Pedro II, porém, monarca brasileiro tirava férias e licença de saúde percorrendo a Europa e lugares históricos pelo prazo de dois anos. Para cuidar do Brasil acamado, ficaram no país a filha do monarca, Princesa Isabel e seu marido Conde D’eu, assassino de crianças, na guerra do Paraguai.

Em 1887, o imperador brasileiro fora fotografado na cidade de Pompéia, sentado em uma mureta histórica; o rei não demonstrava passar por algum problema, olhar sereno, um sorriso discreto, observando um corpo petrificado pelas línguas de um vulcão.

Nesse mesmo ano, mais ou menos na mesma data, em Taubaté, Terenzo Amadeu montava sua fábrica de cerveja, na Praça Dr. Monteiro, onde depois, seria a loja de ferragens do Sr. Negrini. O nome escolhido surgiu de uma conversa com Oswaldo Barbosa Guisard, “Cervejaria União” produtora também, das sodas limonada, gasosas, xaropes, licores (de Pitanga, Jabuticaba, Lima da Pérsia) e vários tipos de vinagre. O apelido ou o nome popular da bebida era “cerveja de barbante”, pois a rolha era amarrada ao bico da garrafa, para que não saltasse, impulsionada pela pressão interna do produto.

Segundo o boêmio Gustavo das Noites, o sabor da cerveja era amargo, um cruzamento do lúpulo, da cevada, do malte e água cristalina. Aquele líquido descia pela garganta, caia lentamente no estômago, permitindo a subida das emoções esquecidas.

Os complementos, para a noitada, saiam das cordas do violão, da música e da lembrança do corpo da mulher amada. Tudo misturado à caricia, amor, sexo e muita ilusão.
Por essa época, tempo guardado na memória das casas Taubateanas, surgiu mais uma cervejaria na cidade, no bairro do Areão, cervejaria do Sr. Luis Lenzolari, que ficava em frente à casa de Letícia Cabral, a mulher apaixonadíssima por um viajante espacial.

Em São Paulo, na mesma esteira do tempo, fundaram a Hospedaria do Imigrante; para acolher, cuidar, tratar, encaminhar aos novos empregos, os imigrantes que atravessaram águas encaixotadas dentro dos oceanos. Os escravos ainda estavam nas fazendas. As mãos testemunhavam os calos salientes, os riscos de chicotes nas costas, olhos envolvidos por lágrimas que apenas nasciam, mas não morriam. E os imigrantes iam colocando seus pés, sempre calçados, nas terras engravidadas pela voz da África.

A cidade de Taubaté, em seu nome e gosto pela cerveja, abriu mais duas fábricas. Uma na Rua Dr. Winther, no prédio colonial do Barão de Piracaia. O empresário Cesar Silvi organizou a produção da Cerveja Central. Na Rua XV de Novembro, no sobrado de Turcina, surgiu a cerveja Luis de Camões, do Alfredo cervejeiro.
A cidade fundada por Jacques Felix sonhou o aconchego do lúpulo, a compostura da cevada, a suavidade do malte, numa bebida só. O cheiro da fabricação cobria os céus de Taubaté, esfregava-se nas janelas do casario, caminhava bem devagar na Rua dos Mascates e motivado, sacudia as prostitutas da zona dos viajantes.
Depois, a cidade adormecia.

Taubaté de 1887: vida, teatro e sonho

Lá por volta de 1887, esse tempo passou a morar em Taubaté. E, Taubaté, como todas as cidades do interior vivia pensamentos tão desencontrados. Havia um cemitério no centro da cidade, na esquina da Rua Quatro de Março. Coisa de arrepiar! Caminhando um pouco mais, onde hoje se encontra a Secretaria da Educação, ficava o famoso Teatro São João. Orgulho de Taubaté, do Vale do Paraíba e do Estado. Parece que a arte, símbolo da vida fitava a morte, mãe do silêncio.

Depois do Teatro, mas no mesmo quarteirão, morava Dona Anacleta e sua escola de primeiras letras. Dona Anacleta pode ser considerada uma das criadoras do ensino particular em nosso município, além de ser avó do escritor Monteiro Lobato. Em frente a sua escola, num prédio que trazia um sorriso nas paredes e janelas ficava a cervejaria do Terenzo Amadeu, a primeira de Taubaté.

Para os nossos olhos, paladar, ouvido e sensibilidade, havia um gosto amargo no ar, um chiado de espumantes sendo engarrafados.

As crianças brincavam na pracinha. As meninas, com seus vestidos simples mas alinhados, divertiam-se no jogo de roda. Os meninos, sapatos pesados nos pés, calção e suspensórios, jogavam pião e bolinha de gude. Tudo girava em torno do sonho do cotidiano dos Taubateanos.

De repente soou um apito, era Dona Anacleta que chamava a meninada: “- crianças, corram, a aula já vai começar.
No início da praça, vinha o Bonde do Guedes, transporte famoso na época. Era puxado por burros. O Bonde ia passando lentamente pelas ruas. Alguns rapazes, parados na calçada, com olhar também lento, paqueravam as moças que, sentadas nos bancos do nosso transporte, conversavam, riam, pensando no destino que era o comércio central.

Na esquina da mesma praça, surgiu um cortejo fúnebre, vindo do nada e se colocando atrás do Bonde. Padre caminhando à frente. Algumas pessoas chorando e, nas calçadas, distintos cavalheiros tiravam o chapéu da cabeça, reverenciando o falecido. Segundo comentários, o falecido era frequentador assíduo da cervejaria instalada na mesma praça. No mesmo instante e seguindo o mesmo relógio, o Teatro São João, símbolo da vida cultural do município, anunciava uma comédia grega. Um grande evento para uma cidade tão pacata.

No princípio da noite, momento da lua no céu, uma grande fila se formou na porta do Teatro. Todos queriam convite. Na fila, as pessoas conversavam os assuntos do tempo, preço do café, ultima moda de Paris. A política, porém era assunto para os homens. Os casamentos, das lindas mulheres, também preenchiam o universo masculino. No fechamento da noite, em nome de Orfeu, a população em sua casa sonhava com as possibilidades do dia seguinte.

Prof. Carlos Roberto Rodrigues