No ano de 1906, Monteiro Lobato recebeu uma carta de sua noiva Purezinha. Tomado por um estado de euforia, leu a carta inúmeras e incontáveis vezes. A cada leitura, da mesma forma que acontece com todos nós, o apaixonado descobria novas possibilidades de interpretação. No dia 20, um dia após o recebimento da correspondência Lobato iniciou a composição da resposta.
O casarão do Visconde, como sempre acontecia, estava tomado pelos hóspedes. Havia fazendeiros, políticos, comerciantes, advogados, amigos e parentes. Dona Ernestina, esposa de um Barão contava aos hóspedes que estavam reunidos na sala de estar: ”após a abolição, Gustava da Glória permanecera na fazenda; sempre foi a ama de leite de nossos filhos. Em todos os dias da semana, sem faltar nenhum deles ela ganhava um pires da sobremesa.
Não sei se é do conhecimento das senhoras, mas um docinho aumenta a produção de leite e acelera a imaginação das mulatas, que são ótimas contadoras de histórias”.
No escritório próximo, Lobato tentava redigir a resposta à carta de Purezinha. Escreveu e rasgou o ameaço textual, dezenas de vezes. O burburinho percorria os cômodos do casarão, estava presente nos mínimos compartimentos. Barulho, risos, expressões de susto, e o neto do Visconde lutando com a pena na mão. No dia 22, três dias depois do recebimento da carta de Purezinha, Lobato ainda não terminara a sua resposta. No dia 22 fora marcado o bota-fora de um amigo da casa, uma viagem a São Paulo, o escritor o acompanharia até a estação ferroviária.
O escritor levou o amigo até a estação, conversaram por mais alguns minutos, despediram-se. Cabisbaixo, pensativo, pensando na vida que fora, na vida que estava sendo, e nas probabilidades da existência futura. Retornou ao casarão do avô.
Chegando a casa do Visconde, entrou no seu escritório, recomeçou a redação da carta, o amor entrando e saindo pelos poros, quando o Azevedo entrou em sua toca cheia de livros, falando alto, gesticulando, falando de problemas pessoalíssimos e pedindo ajuda para Lobato. Nova parada na composição da carta, chapéu na cabeça, os dois foram até o banco do Vale.
Retornando à casa e ao texto, confessa a Purezinha, ter passado pelo meio de uma semana composta por dias horríveis, enfrentou sofrimentos inexplicáveis, encarou surtos de desespero mas, num dado momento, descobriu o remédio para os seus males, tomar uma colher de sopa da imagem da noiva.
A imagem da noiva, séria, rindo, introspectando-se, destravava a alma, afastando cenas de um mundo estúpido, desfazia a opressão distribuída por uma vida indigna mas que precisava ser vivida, estraçalhava os aborrecimentos causados pela necessidade do existir.
O olhar de Purezinha, um foco de luz inexplicável, compensava qualquer sofrimento, espantava o tédio, a tristeza, os devaneios imprecisos. O olhar da noiva repunha a alegria em seu devido lugar, embriagava o ar respirado, e o levava a uma confissão: “como te amo!”
O amor, para Lobato necessitava de ser mensurado, medido, tocado, comparado. Assim, num momento determinado da carta afirma: Purezinha, queira-me bem na metade do que te quero e far-me-ás o mais feliz dos mortais.” O amor aparece fundido ao “querer bem”, uma expressão que demonstra o amor excessivamente destinado a uma pessoa; a metade desse querer bem, determina um amor normatizado, dentro das normas estabelecidas.
Nessa carta, respondendo a curiosidade da noiva, faz-lhe uma promessa: ”levá-la a conhecer o Minarete, casa que funcionava como república estudantil na época que o escritor estudava direito em Sâo Paulo. Nessa casa havia um andar superior alto e estreito que se assemelhava a uma torre, ficava na Rua 21 de abril, no Belenzinho. Nessa carta Lobato escreve que havia, ao lado do Minarete, um sítio que o rodeava. Nesse sitio, justificado pelo seu terreno regular, os teatros mambembes da época, ali se instalava.
O escritor, movido pela paixão, confessa a amada que, sempre no terceiro ato da peça, tirava uma soneca, instantes de breve sonolência, momento em que sonhava com um camarote onde, há tempos, sentava-se uma menina branca, cor de neve, chamava-se Miss Edelweiss…loira e pálida.
Na despedida da noiva, no final da carta, Lobato dirige-se a Purezinha e ao mesmo tempo revela os seus sentimentos a mulher amada.
Adeus
Meu bem
Minha vida
Meu amor
Meu futuro
Noivo que lhe quer bem
Basta a metade do que sinto por você.
Lobato=Amor
Purezinha= Amor-metade
Prof. Carlos Roberto Rodrigues