Em carta de 1906, mês de setembro, escrita em Taubaté, à sua amada Purezinha, Lobato confessa estar com muitos remorsos. O motivo, como sempre, está no tamanho das cartas escritas por sua noiva, na sua economia verbal e emocional, na demora em responder as comunicações de Lobato. O escritor entra em crise de ciúme, de desconfiança, sobre o processo epistolográfico que move Purezinha. Ela não tem o que dizer? Ela não sente realmente amor, paixão por ele? Há algum romance oculto participante do passado da amada? No cruzamento desses pensamentos e ideias, Lobato usa palavras pesadas que magoam a mulher amada. Ai o remorso vem no embalo das noites, transformando os seus sonhos em longos pesadelos.
Dando continuidade a correspondência, elabora uma teoria sobre a carta recém- recebida. Antes de abri-la, há um mundo trancado dentro do envelope, a imaginação tenta desvendar o que está escrito, as suposições tecem uma rede de possibilidades, de fantasias reais ou não.
Após a abertura da carta, Lobato manifesta uma certa piedade do seu amor. O amor do escritor contenta-se com tão pouquinho… o amor assume a postura de um pobrezinho de terra pequena a quem se dá esmola de um vintém. Novamente, dentro do remorso sentido, volta a questionar o tamanho do texto produzido por Purezinha. A justificativa, o porquê de tal atitude, leva Lobato a novas dúvidas, inseguranças: “não tens nada dentro de ti Purezinha? Não tens uma coisa a que chamam alma e donde saem as palavras, os pensamentos, os assuntos? Es tão parcimoniosa no escrever…diz com tanta cerimonia as coisas…”
Partindo dessa visão, um tanto quando inconsistente chega ao seguinte raciocínio “por que não escreve atabalhoadamente , borrando, riscando o papel, sem ordem, sem estilo, sem correção, com nada desses estorvos gramaticais? Só assim se pode bem exprimir um sentimento”.
Para Lobato, na intimidade, para se chegar a transmitir qualquer sentimento, o caminho determinado é escrever atrapalhadamente, desordenadamente, fugir a fiscalização das regras gramaticais.
Deslocando o assunto da carta, para a vida do dia a dia em Taubaté, o escritor comenta que participará do juri no município, fazendo cinco acusações. É uma situação que o horripila, no entanto, o horror não está no desenvolvimento do juri e nas acusações a serem realizadas; o problema maior, bem desastroso, repousa no ato de falar em público.
Falar em público, discursar, essa tarefa bestifica-o, enche-o de uma timidez que vem lá da infância.
No final da carta propõe a Purezinha uma espécie de jogo. Ela, morando em São Paulo, anotará num caderno, todas as sensações, as ideias, os pensamentos, as fantasias acontecidas durante o seu dia. Ele, em Taubaté, anotará as mesmas situações. No final da semana, nos encontros, trocarão os cadernos, sonhando antecipadamente com o delírio provocado pela leitura. Esses fatos levam-nos a pensar seriamente em Fernando Pessoa quando diz que todas as cartas de amor são ridículas, verdadeiramente ridículas.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues