Numa carta de amor à Purezinha, de 1906, Monteiro Lobato a chama de minha Edelweiss. Uma pequena planta cercada de pétalas brancas com o centro amarelado, espécie de folhas que protegem as futuras flores em seu desenvolvimento; essas folhas protetoras tem o formato de uma estrela e, no período da manhã, apresentam muito brilho.
A flor de Edelweiss, também denominada de pé-de-leão participou da história, da poesia, da música, da pintura, da emoção que, os homens solitários sentem ao caminhar pelas estradas cobertas de neves, os pés tocam o espaço fechado pela brancura, os pés sabem que estão caminhando um mundo possível, submisso, incógnito. A flor de Edelweiss, nascida na família das margaridas, originária nos sonhos brotados e manifestados no coração dos Alpes, no chão aventureiro de outros países europeus.
Dizem que a flor foi desenhada pelos Gnomos adeptos da simplicidade como manifestação da beleza. Justamente por causa dessa simplicidade, foi escolhida como símbolo nacional da Suíça e da Áustria. A coloração da flor é um branco que, sem a mínima vaidade, chega a doer nos olhos. A pele da apaixonada Purezinha, durante o dia, a tarde, a noite, tinha o mesmo cromatismo das pétalas de Edelweiss.
Existe uma lenda que contorna a existência da flor em questão. Havia uma certa vez, nos Alpes, uma mulher apaixonada por um jovem bonito, carinhoso, romântico, sedutor, sensível e poeta. Não sabemos ao certo se esse homem desapareceu durante a noite ou de madrugada; o que todos têm, como se verdade fosse, é o fato da montanha de neve ter se apaixonado por ele. No seu desencanto de montanha, o seduziu, beijou, engoliu, ficando com sua alma só para si.
A moça, em desespero chorou durante todo o inverno, suas frágeis lágrimas congelaram-se, transformaram-se em flocos de cristal. Na chegada da luz que vem do sol, os flocos de cristal derreteram-se e sem que o sol desconfiasse, os flocos transformaram-se na flor de Edelweiss.
Em 1965, isso significa muito tempo depois, no filme A Noviça Rebelde, um dos maiores e mais populares musicais produzido pelos americanos, à atriz Julie Andreus, subiu as montanhas encostadas no céu, cantando a música tema do filme “Edelweiss”:
Flor, que acende o meu dia.
Vem brilhar, encantar,
Minha flor de alegria.
Nessa mesma carta, o escritor Taubateano confessa a sua solidão doída, avassaladora. À sua volta, no casarão do Visconde não há com quem falar, abrir-se, colocar para fora os seus temores, os seus mistérios, saudades, paixão, projetos e trabalho. À pouca distância, porém, dormindo numa estante de mogno, existem 600 livros. Enquanto são livros, volumes arranjados um ao lado do outro, não são companheiros, são convites para a realização de uma viagem onde centenas de pessoas podem estar vivendo dramas semelhantes aos seus. Esse é o motivo a lê-los desenfreadamente.
O avô do escritor, sentado em uma cadeira de vime, fuma e olha para a vida que perambula diante do casarão; seus pensamentos, filtrados pela consciência ou não, vagueiam nas reentrâncias, nas saliências do passado.
O jovem, preocupado com os dias de ontem, mas incomodados com os dias de hoje, não tem condições de entrar no mundo do avô para falar do seu amor à Purezinha.
A cidade de Taubaté, nesse momento de agonia, leva Lobato a senti-la como um deserto, como a cidade hospedeira da solidão, do tédio, do desespero. O próprio tempo que circula os poucos movimentos do município, é um tempo vazio, frio, incapaz de realizar qualquer mudança; a ineficiência interior e exterior torna-se uma realidade.
A implosão do mundo nascido e gerado em seu interior o leva a entrar num espaço apropriado pelo Jeca: “pôr-se a cismar o seu futuro”, este cismar tem um cheiro de Urupês, de Jaca Tatuzinho, de Zé Brasil, do Garimpeiro do Rio das Garças, do Tio Barnabé e da música sertaneja:
“Lá no mato tudo é triste
Desde o jeito de falar
Pois o Jeca quando canta
Da vontade de chorar”
O “eu” cismarento em Lobato o leva a pedir a Purezinha que lhe escreva, se não por amor, que o seja por caridade, compaixão. Escreva cartas longas, cartas capazes de exterminar-lhe a tristeza tão profunda; nessas cartas, conte tudo, revele quem é você, quais são os seus medos, os seus mistérios, enigmas escondidos na toca da Cuca.
O criador de uma literatura tão singular ao panorama literário do Brasil, chega a implorar a Purezinha que, no momento da escritura das cartas não fosse tão mitra, cheia de segredos, coisas não contadas, como a religião de muitos soldados romanos no século II antes de cristo.
Fim da carta de 1906.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues