O ano de 1903 nasceu dentro de uma espiga de milho, numa plantação de fundo de quintal na cidade de Guaratinguetá, interior de São Paulo. Na casa do Padre Aristeu, havia um pé de Girassol produtor de folhas vermelhas como sangue. Dentro do Girassol, na sexualidade das plantas, nasceu a fada Nanda, possuidora de duas varinhas de condão; uma delas agita o futuro, e a outra, de cor indefinida revela as loucuras do mundo, as ações que vão gerar muitas besteiras.
Assim, em plena noite de 19/04/1901, a Câmara dos Deputados da Capital Federal, Rio de Janeiro, se reuniu para a escolha do candidato à presidência do Brasil. Havia vários homens que, por motivos variados, eram rotulados como políticos profissionais, participando da disputa. A fada Nanda, sentada num dos lustres de cristal, a tudo assistia; ouviu mentiras, utopias, princípios de loucura, e dezenas de tipos de sexualidade formada pelo estabelecido, pelo afastamento de uma velha monarquia que, bem ou mal, dirigira o país até o presente momento, e uma república tentando balbuciar as primeiras palavras do dicionário político.
Havia um candidato que se via como modelo de beleza; outro, equilibrando-se num trapézio aéreo, pregava uma inteligência que ninguém, cientista algum, conseguira dimensionar a referida capacidade intelectual; outro, com traços faciais desenhados pela loucura cômica, vindo de terras longínquas anunciava a sua capacidade de povoar o mundo, de homens preparados para a vida ativa. Teve várias mulheres, transou ou fez sexo, em seus momentos de folga, e num desses momentos deu uma falseada no objeto zeloso, falseou, descontrolou-se; não é que nasceu uma mulher! Os demais candidatos, no entanto, eram homens sérios, apaixonados por elaborações teológicas presas em caixinhas chamadas “rachadinhas”, tudo isso segundo os próprios candidatos.
A fada escolheu para presidente um homem do interior, um homem de pouca estatura, careca, usava um cavanhaque europeizado, um pincené que lutava para manter-se sobre um dos maiores narizes do Brasil.
O homenzinho, escolhido pela fada, prometeu combater as epidemias e modernizar o Rio como fizera Napoleão III na França, apoiado pelo prefeito Barão Hasmann. Esse presidente atendia pelo nome de Rodrigues Alves, natural de Guaratinguetá.
Rodrigues Alves nomeou o médico sanitarista Oswaldo Cruz ao cargo de Ministro da Saúde, para combater a epidemia de febre amarela. O médico criou a brigada sanitária, tornou a vacina obrigatória e, enfrentando o calor do Rio, vacinou o povo de casa em casa. Houve revolta, greve, ameaça de revolução, violência, comandados pelo político Jair Moises Loukas. O grande pensador da época, adepto de Loukas, pronunciou o seguinte discurso: “Querem envenenar o povo, com a introdução, no nosso sangue, de um vírus em cuja influencia existem os mais infundados receios de que seja condutor da moléstia”! Esse homem chamava-se Rui Barbosa que, por contatos com o presidente Jair, passou a delirar lentamente.
Mesmo assim, com carros virados nas ruas pela revolta popular, Oswaldo Cruz venceu e a febre partiu para outro planeta.
O presidente Rodrigues Alves, homem calado, mas decidido, mandou o prefeito do Rio, Pereira Passos, à França, a fim de se inspirar na reforma urbana, feita pelo tal Napoleão III, em Paris. Passos anotou, desenhou, entrevistou e retornou ao Brasil. Na segunda-feira, dia da festança em alto mar, milhares de operários invadiram as ruas cariocas, empunhando martelos, marretas, picaretas, bolas de cimento alavancadas. A quebradeira teve o seu início por volta das 10 horas; velhos edifícios transformaram-se em entulho; os trapiches, os cortiços, os pardieiros foras reduzidos a poeira, a nuvem de cisco subiu, parou, pensou, mergulhou no mar e desapareceu. A população pobre, os malandros, os biscateiros, subiram os morros, e as favelas deram de nascer por meio de cesárea forçada.
As ruas da cidade do Rio foram ampliadas ao máximo; as calçadas alargaram-se numa gravidez apresada; as estradas receberam pavimento, gravata borboleta, gola engomada; as Avenidas Atlântida e a Central estenderam-se pelo chão em direção à poesia nascida no suspiro do jangadeiro. No muque, na movimentação das máquinas da época, abriram um túnel no Leme, trabalho de tatu racional, com cérebro adquirido no comércio do Porto. Os subúrbios de Flamengo, do Botafogo, foram levados a um salão de manicure; receberam maquiagens, escovas, tinturas diversificadas, transvertendo-se em partes da cidade em renovação. A fada Nanda comprou vestidos em lojas chiques, tomou café na Avenida Beira-Mar; tomou sorvete nos bulevares mais corriqueiros.
Ao entardecer de um dia abundante de acontecimentos, o Visconde do Rio Branco assinou o Tratado de Petrópolis, com uma caneta de ouro trabalhada artisticamente pela fada Nanda, que passara uma noite de namorice com o Duque do Planalto da Desalvorada. O Tratado de Petrópolis incorporou o Estado do Acre ao Brasil, por uma bagatela de 2 milhões de libras esterlinas, pagos à Bolívia, antiga proprietária daquelas terras.
O tempo passou, Rodrigues Alves foi eleito para um segundo mandato, com a posse marcada para o mês de outubro de 1918. Antes da posse, o presidente contraiu a gripe espanhola, a pandemia da época, falecendo no princípio da cavalgada de São Jorge pela lua inflamada de paixão, amor, e tristeza. No entanto, em momento nenhum, antes de falecer dissera: “É apenas uma gripezinha”.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues