Search
domingo 24 novembro 2024
  • :
  • :

Leitura de Taubaté – A televisão britânica

A televisão da Inglaterra sempre manteve as famílias dentro de suas casas. Naquela noite, a telinha mostrava um programa sobre os grandes comediantes do passado. Os telespectadores daquele ano de 1955, do mês de setembro, devoravam pipocas, batatas fritas, ovos cozidos, pão com nata temperada.
Era noite brava. A polícia anunciara, às quatro horas da tarde, vinte e dois assaltos, quatro estupros, duas tentativas de suicídio.
Os namorados, espremidos no sofá da sala, ao lado do sogro, da sogra, dos cunhados faziam muitos esforços para tirar uma casquinha embebida na loucura e no desejo. A namorada, séria, educada, aluna do colégio das freiras, burguesa por devoção, mas, além disso, tinha um rostinho safado, rosto específico e caracterizador de uma época.
Às oito horas e doze minutos, o senhor Arthur, pai de uma prole necessitada de atenções em todas as horas, inclusive nos momentos de confrontos familiares, pediu silêncio, pois a televisão ia apresentar o seu primeiro comercial pago da história. Esse momento, um dos mais sérios da mídia internacional moderna mexeu com a emoção das pessoas.
Silêncio! A telinha resolveu chuviscar-se por inteiro. Arthur levantou-se, com muita classe e calma, deu um tremendo tapa na caixa da televisão, a imagem retornou em alguns segundos. Os membros da família do grande pai, assustadíssimos, viram um bloco de gelo transparente, descendo suavemente sobre a superfície de um antigo móvel britânico. No interior do bloco de gelo, havia um tubo de pasta dental. O bloco girava, girava; o tubo de pasta também girava; os olhos dos telespectadores giravam na procura da emoção; os dentes entorpecendo-se de desejos, vontades, “denterotização “ exposta.
Subitamente, sem pestanejar, um anunciador, voz possante e sedutora, declarou: “- Refrescante como o gelo! Muito refrescante! Gibsssss!” Peter, o caçula da família correu ao banheiro, pegou um tubo de pasta, dando-lhe uma espremida na ponta da língua, dizendo: “- Gibsssss”.
A filha namoradeira, aproveitou a confusão e deu um malho no namorado, dizendo:” Gibsssss”. A matriarca da família escovou os dentes doze vezes. Entre uma escovação e outra, gritava:”- Gibsssss”. Arthur, com olhar de pura meiguice passou as pontas dos dedos, da mão direita no tubo de pasta dizendo: “-Te amo, Gibsssss”.
Na rua escura, uma prostituta não encontrara freguês. Encostou-se na parede de pedra, tirou um sanduíche da bolsa e em soluços, deu uma mordida na ponta do corpo de um pão. No palácio real, os monarcas olharam-se, beijaram-se e gritaram:”- Gibsssss”.

Prof. Carlos Roberto Rodrigues