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terça-feira 24 dezembro 2024
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Leitura de Taubaté – A política de Quinzinho

Ele nasceu na madrugada de cheia no Rio das Pedras. O nome escolhido pelos pais veio da lembrança, da memória dos tempos em que vivia o curandeiro Joaquim das Pacas, lá pelos lados da Ponte do Taquaral. A partir do registro no cartório e do batismo na Igreja de Nossa Senhora do Bom Parto; o pessoal da Vila do Aguardo passou a chamá-lo de Quinzinho.

A sua casa, construída pelo trabalho misturado ao suor bem derramado, era de pau-a-pique. Ela tinha porta, uma janela vestida de cortina xadrez, um vaso de flor, e uns alqueires de terra parecidos com quintal. Quinzinho cresceu a margem do rio, das plantações despertadas no útero do chão, das flores agarradas ao corpo da montanha.

Aos sete anos, tendo no fundo do olhar, o cheiro arredio dos desejos escoados pela sensibilidade da natureza, entrou na escola da Professora Isaura Luz. Aprendeu no decurso dos movimentos, que a sua vila pertencia a uma cidade; a cidade azulada de confidências era propriedade de um Estado; o Estado, absorto dentro de si, era um filhote de um país, vocábulo que se deferência de pais, somente por um acentinho gráfico, chamado Brasil, um nome fortíssimo, gerado no calor do fogo, na aventura do povo Celta, no coração encravado no tronco de uma árvore. O Brasil, valoroso em muitos aspectos, dono de uma história, fazia parte do mundo; e o mundo, esfera lançada no espaço pelas mãos de Deus, era um planeta entre tantos outros, um ser andejando em busca de seu próprio significado.

Os dias vieram, desceram na Estação sem um único trem; partiram na chegada dos sacis e, antes do despertar da Branca de Neve, Quinzinho apaixonou-se por uma coisa inexistente, algo semelhante a uma cartilha política, contendo os ditos ilógicos dos políticos, a insensatez aproximada do andar vagaroso da loucura, da alteração mental, do distúrbio alucinatório.

O início da cartilha listou personagens políticos dos tempos de Nero, Calígula, Lenin; a listagem aproximou-se dos mil nomes, muitos deles enterrados pela história, pela ética, ou afogados em oceanos de lodo.

Ninguém soube ou foi notificado sobre a escolha de Joaquim; os comentários sérios ou maldosos surgiram nos mais distantes lugares. No dizer dos frequentadores da Praça Central, o político selecionado possui origem italiana, lá das bandas de Anguillara, um pedaço do fim do mundo. Ele é narcisista, ama sua própria figura; quando acorda, fato raro permanece duas horas na frente do espelho olhando-se, desvairando-se. Adora cavalo, idolatra as motos importadas, detesta máscara, odeia álcool, e lava as mãos somente nos terremotos.

A cartilha de Joaquim funciona triangularmente, isto é, a data em que o desequilibrado pronunciou a besteira; a frase em sua existência gráfica e o entendimento de Quinzinho.

No ano de 1999, no programa “Câmera Aberta”, o estúpido disse: “através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partimos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns trinta mil, começando com o FHC, não deixar para fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente.”

A estupidez não tem tamanho e nem cor. A palavra através é um modificador, um prenúncio de causa; a palavra voto, uma referência que vem do século V antes de Cristo, uma substância que procura a transformação, a alteração sobre o que não é fixo, mas variável. Por outro lado é preciso usar filosofia, psicologia, história, português para se falar de guerra civil. A solução de conflitos dentro de um mesmo país, usando armas, bombas, mísseis, granadas, metralhadoras, só acha espaço na cabeça de um alucinado, gerado na boca de um vulcão. É a velha história do tarado que estupra uma mulher solitária, desprotegida, e que, nove meses depois, nasce um menininho chamado Vesúvio. A palavra trabalho apareceu no princípio do mundo, uma elaboração pensada por Deus. O Jeca faz a sua plantação; os engraxates dão brilho aos pés empoeirados; os militares, no entanto, não trabalharam num determinado momento da vida do país. As profissões pertencem a um projeto de realização tão amplo como o Universo; nessa universalidade, usando os pensamentos deteriorados do doido escolhido pelo Quinzinho, os militares tem como base de trabalho o ofício de matar, assassinar, o que é um absurdo.

Ao citar o nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na condição de um ser escolhido para ser executado, o presidente escalado pelo Quinzinho conquistou os diplomas de: “técnico na eliminação de intelectuais”; “Doutor em fuzilamento”, “livre docente em loucura aplicada ao trabalho presidencial”.
Neste momento, um beija-flor pousou nas pétalas de uma rosa tricolor; Quinzinho parou de redigir a sua cartilha, por alguns momentos. O pequeno pássaro, veloz como a luz e o vento gravou no caule da roseira:

Ele não sabe, mas a morte,
A dor, a fome, o desespero,
Moram em seu olhar.
O Brasil, país do tropicalismo,
Não tem mais lágrimas para chorar.
A secura estiou a natureza.
O amor retornou aos séculos.
O silêncio permanece.
Só por teimosia.

Prof. Carlos Roberto Rodrigues