Platão ensinava um grupo de alunos; havia os interessados, os desinteressados e os que estavam viajando por praias longínquas. Platão falava que a verdade deve ser apreciada. Acreditamos que, neste instante, o termo apreciado estava dentro da cabeça do filósofo revestido pelo significado de uma realidade que fora ponderada, examinada, avaliada, cientifizada. Por outro lado, a mentira, definida pelo mesmo filósofo aparece como uma atitude útil por alguns instantes, ou em determinadas circunstâncias, no entanto, não pode ser eterna, mas sim, passageira.
O Brasil, um dos países mais lindo do mundo é essencialmente platônico, um platonismo antitético e revirado de cabeça para baixo; aqui, neste solo da mãe gentil, a mentira dura mais do que o necessário.
Nós todos sabemos, por exemplo, que Pedro Alvares Cabral, fato ocorrido há pouco tempo, nunca comandara nada, nem sequer uma mísera esquadra, antes de achar o Brasil, no mesmo lugar onde sempre estivera. O tempo passou lentamente e até agora, nenhum rei baixou num Centro Espírita para nos explicar porque o inexperiente Cabral fora designado para essa missão.
A tarefa imposta ao grande Pedro estava preocupada na recuperação do comercio de especiarias na Índia que, por motivos de falta de organização passara as mãos dos árabes, dos turcos e italianos.
A frota de Cabral, a maior até aquele momento, constituía-se de 13 navios, sendo 9 naus, 3 caravelas e 1 naveta carregada de alimentos. Esse arsenal afastou-se da rota, da costa africana, por uma infinidade de léguas, até encostar em terras brasileiras. Os 1500 tripulantes disputaram um pequeno espaço no convés. Os médicos observaram a praia, os índios, as florestas; os boticários sonharam com ervas miraculosas; os religiosos desfiaram um cordel de orações, os calafates ocultaram seus desejos, os degredados ou assassinos condenados à morte, sentiram que a liberdade chegara antes dos dias finais; muitos homens, movidos pela comoção, contiveram-se biologicamente, mas quando colocaram os olhos nas praias urinaram por um tempo longo e indefinido.
Na manhã de um dia sem apresentação marcante, Cabral resolveu retomar a sua tarefa, voltando aos caminhos marítimos que os levavam às Índias, local de trabalho devidamente combinado. Antes da partida, deixou em terras brasileiras dois terríveis degredados. As velas dos navios içadas pelas desventuras do vento impulsionaram as embarcações. Um marinheiro desconhecido deu um murro no bordo do navio, lembrando-se da cena meio desanimadora da viagem; o momento em que o estoque de biscoitos chegara ao fim e, para não entregar o espírito a Deus, alimentou-se de ratos.
Os degredados que permaneceram em terra foram acometidos de confusão mental, de choros produzidos por neurotransmissores desatinados, fato que emocionaram os indígenas, fazendo com que a tribo inteira os consolasse, deitando a cabeça daqueles homens barbudos em seus ombros, paternos e maternos.
À noitinha, quando o silêncio rege as águas, os peixes, os monstros, a loucura dos xereletes, dois grumetes padecidos pelas violências do dia da vida no mar, roubaram um escaler retornando às praias brasileiras. O cacique recebeu os dois fugitivos na oca central, onde a tribo estava acomodada em torno de uma grande fogueira.
Usando a língua guarani, uns sussurros em português, e muita mímica, o cacique questionou os dois aventureiros, seguindo um tradição histórica entre os índios, para a realização de um interrogatório de interesse coletivo, fizeram uso da temerosa CTF, ou seja, comissão tribal fofoqueira.
No início dos trabalhos, o cacique , segurando um gorro vermelho, presente de Cabral, perguntou sobre a utilidade de tal objeto. O fugitivo colocou o gorro na cabeça, explicando ao cacique que era para protegê-lo do frio. O índio entendeu, mas riu muito dizendo: “za, za, zum” o que significa: é uma tremenda gozação, pois estamos num país tropical. O vice-cacique colocou um chapéu preto sobre a cabeça, também presente de Cabral, perguntando-lhe: “E isso? Como chama? Para que serve?” O fugitivo respondeu-lhe: “É chapéu. É elegante. Protege a cabeça do sol e evita doenças”. O índio gargalhou, quase se sufocou, “té, ti, tutu, totó”, o que significa: “de ao índio Pazuelo”.
O redator da CTF, índio Nanre, trouxe uma carapuça de linho vermelho. Ergueu a carapuça, estendeu-a nos braços e questionou; “O que é isso, para que serve?” O primeiro fugitivo reuniu forças para explicar: “É uma carapuça, vai na cabeça de um homem chamado Saci; esse homem tem uma perna só, levou uma facada da Cuca, tornou-se o manda chuva do país da margem do rio, ele não pensa, fala como um fantasma, detesta uma pessoa que “vá” para a sua “cina”, escrito com c, acha-se bonito, sedutor, irresistível”.
O redator da CTF desmaiou, bateu a cabeça num pedaço de taquara e quando despertou começou a cantar; “Para o mundo/que eu quero descer/”. O secretário, rapaz dos mais sérios, deu de cantar: “Tá, tá, todo mundo loco! Oba! Oba! Não liga prisso não! Não liga prisso não! É a cabeça irmão”. O índio Nanre, desnorteado gritou: “Platão, em nosso reino, a mentira é eterna e sem graça.” E caminhando até a beira do rio olhou o céu estrelado urrou; “Pai, afasta de mim esse cálice.”
Prof. Carlos Roberto Rodrigues