O coelho Etamar nasceu na Toca dos Apertamentos, no Monte Curiosito, numa época sem registro; ninguém queria saber da vida de ninguém.
O seu avô, um coelho marrom, passou a vida na região das Cenouras, alimento de sua preferência. Sua avó, coelha banca e vermelha, sonhadora empenhada em descobrir o motivo exato, a causa transparente do porque, que a lua mora no alto; o sol também mora no alto, mas inexplicavelmente, os dois nascem debaixo da terra, em algum lugar desconhecido. Ela, durante a sua vida de coelha, gerou 107 ninhadas e, o seu companheiro, só a procurava durante o tempo em que a lua permanecia no céu.
O pai de Etamar, coelho cor de caramelo, sempre foi próximo das aventuras pensadas e imaginadas. Em sua viagem pelos Campos dos Amarellus, em companhia de 3 outros coelhos, conheceu uma coelha chamada Amarela Sol. Ela mostrou-lhe que o mundo dos coelhos divide-se entre os machos e as fêmeas. Ela chama-se Amarela Sol porque vive com um companheiro que a vê, no passar dos minutos, como uma coelha submissa a ele.
O amarelo, meu caro, vem do termo Amarellus, um adjetivo masculino. O meu coelho, com quem vivo, recebeu o nome de Amarelão. Ele crê que a descendência do amarelo deve ser muito machista. O Amarellus gerou o ouro, um macho belo e arrogante. O Amarellus tem a cor do limão, um ser azedo, mas macho. Os deuses vestem-se de amarelo, são eternos e imortais. No jardim dos deuses, espaço ordenado, cuidado, chamado Hesperides, nome feminino, nascem as macieiras, femininas, que são amarelas e indefinidas. Essa fruta feminina corrompeu um tal de Adão, origem dos seres mortais, portanto, as fêmeas devem ser amadas, adoradas, porém, com muito cuidado.
Meu pai veio de Amarelus, revoltado com a organização da vivência dos coelhos e coelhas, daquela comunidade. Ideias e conceitos absurdos foram internalizados naqueles coelhos desde a infância.
Existe uma noite em que a flor dos astros, flores com o formato de sinos, soam nos fundos do Rio Neblon. Nessa noite, os coelhos podem pensar, refletir, deduzir, criar, questionar os mistérios que envolvem a vida dos coelhos. Podem até, por desespero ou necessidade, fazer um pedido à Fada Agein, orientadora do saber, do significado da nossa existência.
Nessa noite meu pai, sufocado por tantas dúvidas, pediu à Fada Amarela um benefício pessoal a si e aos seus descendentes exclamando: “Fada Algein! Amanhã meu filho Etamar partirá em busca de um pouco de saber e domínio sobre as incógnitas da vida de todos nós. Toma conta dele, proteja os seus passos, e possibilite-lhe encontrar-se com a liberdade, pedra que sustenta o Universo”.
Etamar partiu antes do aparecimento do sol. Tomou a direção que conduz ao norte, acreditando ter sentido, em sonho, o cheiro da tal Liberdade, moradora no ponto central do Circulo do Norte.
Caminhou, sem parar, por 8 horas. Embora tenha marchado por terras coberta de flores, legumes, frutas, chegou a Toca das Elucidações, habitada pelos coelhos marrons. Andou no sentido das correntezas de um rio branco como leite, onde encontrou um coelho visivelmente idoso, cochilando enquanto mascava uma batata doce. Cumprimentou-o, com muita suavidade e, pedindo desculpas antecipadas pelo transtorno; perguntou-lhe se a Liberdade morava por aquelas bandas. Já morou aqui, em sua juventude. Ela agia seguindo as suas próprias vontades, seu livre arbítrio. Ela considerava o arbítrio como uma vontade própria, sem ter influência de ninguém.
Na época dos morangos silvestres, um coelho chamado Castore, sábio justificado pela idade percorrida, chamou a Liberdade de lado, longe dos coelhos colhedores de morangos e disse-lhe: “olhe para você. A sua visão se restringe ao corpo, ao que está exposto. Dentro de você, no entanto, há um interior invisível, não é visto, mas sentido. Continue agindo com espontaneidade, mas respeite, sempre, o micromundo do outro. Há uma série de pensamentos que servem somente a você; existe um outro tanto, que serve para o outro. A Liberdade pensou, pensou e disse: “então eu nunca serei livre? Eu viverei sempre pensando em mim e nos outros?” O sábio Castore nada questionou, mas falou: “Pense nisso”.
Ela partiu daqui, não estava zangada, nem ofendida, mas decidida a encontrar o Professor Mostrageiro, nas tocas do Vilarejo Deliciano.
A Liberdade comeu duas cenouras no plantio do Vale. Comeu duas peras na Roça da Juntura, e a tardezinha encontrou-se com o Professor Mostrageiro; questionou-lhe imperiosamente, todas as suas dúvidas.
O experiente coelho apontou-lhe alguns caminhos “parta sempre do seguinte princípio, todos nascemos em tocas onde, segundo os ensinamentos que não são nossos formamos uma família. O seu pai ama sua mãe; chega até ela, num cantinho isolado, e faz novos coelhinhos. Esses novos coelhinhos, lindos e bonitinhos, de um momento para o outro começam a receber nossas instruções. Respeito, amizade, solidariedade, fraternidade, religião, deus e deusas, muitas obrigações, etc, etc… Os novos coelhinhos não tem opção de pensar, somar, multiplicar, refletir, deduzir, e, com o mínimo de suporte adquirido pelo pensar, não questionam nem se rebelam. E assim, partimos para as nossas cenouras, pensando que somos livres”.
A querida Amizade partiu pensando coisas finitas, marcadas por uma fração do tempo. Etamar, de posses dessas informações, partiu em direção a Mandala Azul, onde vivia o coelho cinza chamado Dastor, um místico e filósofo juramentado. Encontrou-o no princípio da tarde despedindo-se do sol.
Etamar conversou com o filósofo até a chagada da metade da noite. Ali, na Mandala soube que Liberdade procurara o mago Juvenal, que, ouvindo as suas queixas e agonias, deslocando-a para o século 50 antes de Cristo com a finalidade de encontrar-se com Lucrécio, um poeta romano. Encontrou-o conversando com as rosas vermelhas do sue jardim. Ele o ouviu atentamente e escreveu-lhe: “Há ocorrências espalhadas pela vida; essas eventualidades acontecem a mim, a ti, ao mundo social. Os poderes, as crenças, explicam que tudo aconteceu, por ação e desejo de algum deus. O resultado é o surgimento de uma população dominada pelo medo. A liberdade nasce e cresce na razão; nasce na vontade de desvendar os porquês; não precisa saber o que é liberdade, mas sim, o que é ser livre.
Etamar encontrou-se com Juvenal. Pelas palavras que saíram de sua boca, Etamar soube que Liberdade matriculou-se na escola do coelho Castanho Marrete, onde luta para entender-se:
Ela já sabe
Que viveu com um jovem chamado responsabilidade
Com ele aprendeu uma lição simples, não ferir ninguém.
Mas para isso acontecer precisa beber 3 litros das palavras de Sócrates.
Assim, hoje ela atende pelo nome de Verdade, um nome lindo, mas construído pela história, um nome sempre é fruto de uma convenção. Alguém escolhe, no elenco de nomes produzidos pelo Estado; alguém batiza com esse nome, acreditando ser verdadeiro. O mais importante, no entanto, não é o nome, mas conhecer-se a si mesmo, além do nome.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues