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segunda-feira 23 dezembro 2024
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Leitura de Taubaté – A filosofia do coelho

Eu sou um coelho branco, de olhos vermelhos e bigodes longos. Eu vivo com uma coelha muito erótica, ela me canta de quinze em quinze minutos. Eu não posso atendê-la em todas as suas insistências, pois sou um coelho privilegiado, sou o aliado especial do filósofo Sócrates.

O pensador grego é o meu dono, meu companheiro, representa a minha voz; muitas vezes diz as verdades que eu gostaria de dizer. Na academia, lugar onde as pessoas acreditam aprender alguma coisa, tais como as abstrações da existência, os sábios aguardam as suas palavras movidas pela ansiedade.

Eu não descrevi os traços físicos de Sócrates, o filósofo cravado em seu tempo. Era um homem baixinho, musculoso, olhos maiores do que as cavidades visuais, o nariz, quanto ao formato, era uma bolota avermelhada. Não apreciava o banho, na hora de entrar na banheira, sempre arranjava uma desculpa. Adorava dormir com mulheres e rapazes; na verdade, não dormia, procurava permanecer acordado, fantasiando as hipóteses realizadoras do prazer ou da frustração.

As suas saídas constantes eram arrastadas, lentas, pois a população de Atenas o parava em cada esquina. O povo queria saber quem foi seu pai, sua mãe. Ele respondia que o pai fora artesão, criava réplicas humanas, desgastando envelhecidas pedras moles. Sua mãe, mulher forte, fora parteira, metade da população da Polis passara pelas suas mãos.

Uma tarde, enquanto o senado discutia doutrinas insensatas, Sócrates conheceu uma jovem chamada Xantipas, quarenta anos mais jovem. Ela o provocou, mostrando pedaços de um par de seios robustos; levantou a roupagem, permitindo a transparência de suas coxas; o velho filósofo acabou casando, tiveram três filhos e dezenas de anos de brigas constantes.

Eu sou um coelho, por isso não entendia a falta de vaidade de Sócrates. Os cabelos sempre despenteados, as roupas envelhecidas, rasgadas ou remendadas, pés no chão, unha das mãos sempre enegrecidas.

Muitas vezes o acompanhei nas feiras de rua. Nesses locais, tomados pela população, os comentários não mudavam, nada era acrescido ou diminuído. As palavras que formavam as fofocas perseguiam a retidão do discurso; uns falavam da fisionomia do filósofo, ou seja, tratavam-no como o homem mais feio de Atenas, porém, namorado de Alcebíades, o jovem mais belo da Polis.

A sua passagem por qualquer espaço da Polis, despertavam centenas de perguntas. Na praça dos Arranjados, o Heitor da venda de sandálias perguntou-lhe: ”Qual é o sentido da vida”? Sócrates nunca perdeu tempo com a resposta, e a sua boca, mesmo sem vontade, respondeu: “Antes de responder-lhe gostaria de saber qual é a medida da sua ignorância. A ignorância pode ser medida por distanciamento, peso ou consciência. Após a revelação da dimensão do seu estado de desconhecimento das coisas da natureza lhe responderei com muito prazer”.

A mulher vendedora de perfumes originários do mel e das flores, solicitou-lhe um exemplo da felicidade real, abrangente. Sócrates refletiu por uma pequena fração de tempo, apresentando-lhe o envolvimento existente entre os objetos, as sensações e a exemplificação: “Minha senhora, todos os seres humanos reúnem condições de exemplificar as menores e as maiores causas da existência. Os exemplos estão no interior de cada um. Reflita sobre o significado existente na palavra felicidade. Após a reflexão, faça uma busca dentro de si mesma, se ela existe, deve estar acordada ou dormindo num cantinho qualquer dentro do seu próprio ser”.

No ano de 309 antes de Cristo, em meio à confusão por causa do desaparecimento do pescador Theo, Sócrates foi acusado de corruptor da juventude da Polis. No seu julgamento, na primeira audiência Sócrates tentou entender com exatidão o motivo pelo qual estava sendo julgado. O verbo corromper revela a capacidade de alguém deteriorar o outro, no caso a juventude. Mas, dando uma guinada na leitura do termo, pode significar a capacidade de agir causando o apodrecimento do jovem, situação que não se enquadra no relacionamento entre homens, mulheres e crianças.

Forçando momentaneamente a capacidade racional, chegaríamos no insuportável poder de conseguir estragar o próximo, capacidade descomprometida e desvinculada de qualquer área do saber.
Ao anoitecer os jurados realizaram uma tarefa muito difícil, quer dizer, realizar uma votação. Dos quinhentos votantes, duzentos e oitenta o condenaram a morte; duzentos e vinte afirmaram que não havia transparência nas provas e motivos. No segundo julgamento e consequente votação, trezentos e sessenta votaram pela pena de morte em casa, e cento e quarenta e um pela absolvição.

Na minha condição de coelho, não pude agir, apenas fiquei atento aos seus últimos instantes de vida. Sócrates retirou-se da Assembleia formada pelos sábios da Polis, pronunciando as seguintes palavras: “Tudo acabou, o que não é novidade a ninguém. Vou retirar-me, com a permissão dos senhores, vou para a minha casa, encontrar-me com a morte, vocês vão para as suas vidas. Eu, sinceramente, não sei quem ganhou”.

Em casa, ao lado dos amigos, alunos, admiradores, sorveu um cálice de cicuta. Andou pela sala de um lado ao outro, permitindo que o veneno se espalhasse pelo seu corpo. Ao perceber os primeiros amortecimentos corpóreos, deitou-se e morreu, como quem sabe viver e morrer.

Prof. Carlos Roberto Rodrigues