O ano de 1955 entrou pela lateral da estrada que marca a passagem do tempo. Os coelhos do mundo, reunidos na Floresta Descolorida, resolveram não namorar, não se apaixonar, não procriar nos dias, nas noites, nas madrugadas do ano dezenove, cinco, cinco.
As baleias não fizeram poesia na superfície da aguaceira, não margearam as praias preferiram o espaço profundo, o silêncio não revelado dos oceanos.
A França acordou sorrindo, o calor adiantava-se nas calçadas. Era o dia da famosa corrida de Le Mans, disputa de 24 horas. Nunca o planeta viu e sentiu uma prova de resistência de tamanha proporção e durabilidade. As crianças pularam de suas camas, antes dos galos cantarem; as mulheres não fizeram sexo de madrugada, levantaram para montar os sanduiches; os maridos sentiram-se mais viris, mais homens, idênticos ao ronco dos motores.
Os vendedores ambulantes sonharam com milhares de notas e moedas sobrevoando Le Mans. Muitos atravessaram portais neuróticos para fazer amor com a mulher amada, dentro do carro preferido e escolhido para vencer a competição.
O público invadiu o local da prova levando milhares de bandeirinhas, lenços coloridos, garrafas da bebida que lhes batizaram os lábios, a garganta, o estômago, o cérebro, causando uma flutuação de ida e de volta.
No boxe 31, os jornalistas fotografavam o corredor Pierre Levegh, dono de um reportório de vitórias que, sem pressão na alma, espelhava a glória do automobilismo Francês. Naquela manhã, porém, o piloto mergulhara em sua solidão interior; sonhara com um castelo medieval explodindo diante de seu olhar assustado, medroso, temeroso. As bruxas, montadas em vassouras dançavam em círculos sobre os entulhos do castelo, das pessoas que ali viviam; sobre pássaros que não voavam em direção ao horizonte.
A largada aconteceu no calor dos gritos, dos toques de cornetas e batidas sonoras dos tambores suados, avermelhados pelo sangue das mãos que batiam, ensurdeciam, agitavam.
De repente, nos segundos não completados, o jaguar de Mike Hawthorn se dirigiu aos boxes, quase batendo no Austin-Healey de Lance Macklin. Para não ser atingido, Lance pensou no tempo inexistente, direita ou esquerda? Jogou o carro para a esquerda, sendo atingido pelo Mercedes de Pierre Levegh.
O público engoliu as imagens capitadas por milhares de olhos, as bocas secaram tudo o que havia para secar; o coração tentou saltar do peito do menino impactado pelo desespero, que não fora anunciado, nem calculado.
A explosão mutilada, como uma bomba selvagem, feita por homens selvagens, entrou nos limites lógicos e irracionais do público; o carro de Pierre conseguiu passar por cima do carro de Macklin, transformando-se em uma chama viva, voadora, e atingiu as barreiras de cimento.
Pedaços do carro, dezenas e dezenas de fragmentos foram lançados em direção ao público, batendo, cortando, furando, matando.
Os diretores da prova, homens estáticos e mumificados não interromperam a competição. Os carros continuaram na pista; máquinas alucinadas, descontroladas, rompendo as colunas de fogo, perdendo-se na fumaceira, nos gritos de um público preso na violência de um longo pesadelo, dentro de um sono que recusava o despertar.
A morte, viajando pelas estradas que conduzem ao desperdício da vida, recolheu os corpos de 84 pessoas. As lágrimas misturaram-se ao cheiro de gasolina, ao tapete feito de óleo diesel, aos pedaços de magnésio coloridos, partes de um todo que, um dia, formaram um carro.
Na Califórnia, terra dominadora da luz dispensada pelo sol, o jovem ator James Dean, 24 anos, símbolo de um momento na vida de uma juventude traumatizada pela violência da 2ª Guerra Mundial, ligou seu carro Porsche, comprado há poucos dias, para participar de uma corrida na cidade de Salinas. Num cruzamento de estrada, um Ford Tudor cruzou o seu caminho. A luz foi desligada, o estrondo subiu a escadaria que leva às nuvens, a morte aproximou-se, embora não acreditasse no que via.
Nos cinemas, o personagem Cal Trask, embutido em si mesmo, nas dores mergulhadas no silêncio, no desprezo; tentava viver com um pai que adorava o seu irmão, menino de ouro, inteligente, capaz, bonito, de bem com a vida.
Todas as suas atenções de pai atento, direcionavam-se o filho Aron.
Cal Trask era um caso isolado, rebelde, violento, fechado para vida, existia apenas por existir. Essa interpretação de James Dean, no papel de Cal Trask, exemplificou a geração aturdida pelos efeitos da grande guerra. O seu rosto passou a significar o rosto de uma geração e o filme, “Vidas Amargas”, o protótipo daqueles jovens que construíram o seu mundo no escuro agoniado de um quarto.
O ano de 1955 levou James Dean, detonou a guerra do Vietnã, matando 3 milhões de pessoas, e a partir desse ano, mais do que em outros, os ditadores acordaram para embalar e atrofiar o respirar de milhares de vida.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues