Os brasileiros caminhavam de cabeça baixa; havia um gosto amargo subindo pela garganta da população; o peito levava dez quilos de frustração, meio quilo de agonia, meio quilo de humilhação; o Brasil, país compromissado com o futebol, futebol bonito, futebol arte, fora eliminado do campeonato mundial realizado na Suécia, no ano de 1954.
A política não ia bem, um “mar de lama” escorregava pelas ruas da capital federal. O famoso atentado na Rua Tonelero deu um nó no pescoço do presidente Getúlio Vargas. As coisas quando muito tristes e desequilibradas acontecem à noite. Dizem que havia silêncio. O carro de Carlos Lacerda encostou em frente ao seu prédio. A luz também era pouca. Lacerda desceu do carro acompanhado de seu segurança, Major Vaz.
Os tiros tiraram a sequência da madrugada, a linearidade das horas amontoou-se num canto nebuloso da sarjeta. Lacerda levou um tiro no pé, Major Vaz recebeu um tiro na própria vida, tombou morto, interrompendo-se os seus sonhos.
O negro Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do Presidente Getulio Vargas, homem que gozava da sua mais alta confiança, confessou sua participação no atentado. Com a confissão e por sua causa, a política brasileira cismou de entrar no ralo de um bueiro, em Copacabana.
No dia 24 de agosto, noite de silencio e muita suavidade, Getúlio sentou-se em sua cama presidencial, lembrou-se da infância nos pampas do Sul; das cavalgadas por terras que se deslizavam sob as patas do cavalo; da escola primária onde amou, na quietude evolutiva do seu ser, a professora Dona Emilinha; os primeiros Beijos na adolescência; a primeira transa na casa vermelha de Pedrina do Tanque, os diretórios acadêmicos e a entrada na política; a ausência dos amigos, o puxa-saquismo, o interesse, a corrupção, os desmandos, as ordens que nunca dera. Após essas lembranças, segurou o revolver, apontou-o para o coração, atirou.
Nesse instante vencera os inimigos, derrotara a corrupção, desarticulara a oposição, entrou para as páginas dos livros de história.
Nesse ano, de 1954, o cinema americano ocupou e tomou conta das nossas salas de projeção cinematográfica. No cinema central, ponto de encontro e dos namoros marcados, projetava-se 20 mil léguas submarinas, filme de ficção científica rastreado no celeiro de Julio Verner; nos demais pontos de exibição havia a projeção de: Sabrina, Godizila, Janela Indiscreta, Sindicato de Ladões, Candinho, Matar ou Correr, Nem Sanção Nem Dalila.
Na casa de espetáculo Santa Tereza o filme fora interrompido para o anúncio da morte de August Lumiere, um dos inventores do cinema, e o nascimento de John Travolta, filho de um diretor da época.
Dos rádios, colocados na sala de visitas ou nas janelas das casas, Bill Haley e seus cometas ditavam o novo ritmo e a nova poesia musical. “Uma, duas, três, quatro horas de rock/cinco, seis, sete horas, oito horas de rock/nove, dez, onze horas, doze hs de rock!”
Foi nesse Brasil desolado, invadido, sem luz própria, que a baiana Maria Martha Hacter Rocha venceu o concurso de Miss Brasil, no hotel Quintandinha, Petrópolis, Rio de Janeiro, nesse mesmo ano assustador de 1954. Sua beleza encantou o Brasil; o seu jeito de ser deslumbrou o mundo e, no seu sorriso o Brasil venceu a força da mídia e ganhou espaço e projeção no planeta Terra. Milhares e milhares de crianças nascidas na época de Martha receberam o seu nome. Centenas de produtos surgiram no país, com o nome da miss Brasil.
Nesse mesmo e estranho ano de 1954, Martha Rocha voou para América do Norte a fim de concorrer no famoso concurso de miss Universo. Chegou às terras de Tio San, representando o padrão de beleza da mulher brasileira.
As bolsas de apostas americanas apontaram-na como vitoriosa. Perdeu para a americana, candidata da casa, a jovem Mirian Steverson, por 2 polegadas a mais no quadril. Essa justificativa fora inventada pelos jornalistas brasileiros.
O seu retrato em branco e preto, ou colorido, colocou o Brasil no topo do mundo. O país marcou sua presença no mundo dos negócios, no universo dos grandes investimentos, nas estradas da cultura, das artes, da beleza, por meio do rosto e do corpo de Martha Rocha; as suas respostas diretas e sensíveis geradas a partir de grandes entrevistas, deram ao Brasil um caráter belo, próspero, inteligente.
Em 05/07/2020, morando em uma casa de repouso para idosos, durante uma crise de insuficiência respiratória que desencadeou um infarto, Martha deixou-nos na beira da estrada, pensando no Brasil e, através do seu sorriso, tentando entende-lo.
Prof. Carlos Roberto Rodrigues