No fim de abril, o governo Bolsonaro propôs a contenção de custos em áreas como filosofia e sociologia, ressaltando a importância de habilidades relacionadas à leitura, à escrita e à matemática. O presidente da República sustentou, ao lado do ministro da educação, Abraham Weintraub, algo que merece reflexão além das críticas superficiais pautadas por paixões políticas.
O Brasil, como é notório, apresenta dados preocupantes em termos de educação básica da população. Os conhecimentos de língua portuguesa e de cálculos matemáticos, fundamentais na formação de qualquer brasileiro, não são dominados com profundidade pela sociedade, conforme demonstrado por exames internacionais, como o PISA (Programme for International Student Assessment – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), além da evidente deficiência nacional no aprendizado do idioma inglês, essencial em um mundo globalizado. Tal panorama ressalta a urgência com que o país deve tratar tais tópicos de ensino, dado que o conhecimento de língua e a habilidade com números são instrumentos para o desenvolvimento da pessoa em diversas áreas da vida.
A declaração oficial no sentido de diminuir o investimento em áreas como filosofia e sociologia parece grave inicialmente, pois são campos de conhecimento relevantíssimos no desenvolvimento do espírito crítico do cidadão. O aprofundamento da visão de mundo de uma pessoa com base em questionamentos acerca da realidade é força motriz das mudanças necessárias para o desenvolvimento da comunidade e correção de eventuais distorções observadas concretamente. Mais do que formação para o exercício de uma profissão, o estudo de ciências humanas auxilia a desfrutar de modo pleno a própria personalidade, pois permite a análise acurada do respectivo meio circundante.
A melhor compreensão do tema pelo governo aparentemente deveria basear-se em dois aspectos. Primeiramente, cumpre à gestão pública esmerar-se no uso racional das verbas destinadas para a educação, uma vez que correspondem a percentual satisfatório das riquezas produzidas no país. A questão a ser analisada é a forma como o dinheiro vem sendo aplicado, dado que os resultados não demonstram estar à altura dos respectivos investimentos. Em segundo lugar, a hierarquização das necessidades educacionais, existente em qualquer país, deve ser feita sem que haja desprezo por determinadas áreas do conhecimento que, embora não tragam necessariamente o mesmo retorno financeiro que outras, são fundamentais no aprimoramento do espírito crítico do indivíduo. Para que um texto de filosofia seja bem compreendido, por exemplo, o leitor deve estar corretamente alfabetizado, com o campo linguístico minimamente desenvolvido e com adequado repertório vocabular. Em um país com número preocupante de analfabetos funcionais, a leitura de Gilberto Freyre e Aristóteles por grande parte da população não passará de quimera. O raciocínio crítico continuará a ser privilégio de diminuta parte da sociedade, restando aos demais a reprodução de atitudes que, muitas vezes, provocam prejuízo a si mesmos.
Devem ser concedidos os instrumentos necessários ao cidadão para o pleno desenvolvimento da respectiva personalidade, algo possível com o estímulo do espírito crítico. A primazia dos conhecimentos linguísticos e matemáticos é indiscutível, pois são meios para o aprofundamento dos demais campos científicos. Não é correto, entretanto, menosprezar áreas como filosofia e sociologia, uma vez que fornecem instrumental teórico para a análise da vida e sociedade, fortalecendo, em última análise, os fundamentos da democracia. Pensamento e existência são termos inseparáveis, como lembra a máxima de Descartes (“penso, logo existo”). Em um país que pretende crescer não apenas do ponto vista financeiro, mas, sobretudo, em termos de vida digna, a reflexão crítica sobre a realidade é indispensável. Afinal, como dizia Immanuel Kant, o ser humano é um fim em si mesmo.
Elton Duarte Batalha é professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito pela USP.