Operação conjunta constatou condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva; idoso trabalha desde 2005 sem folgas e sem remuneração
Uma operação conjunta do Ministério Público do Trabalho, Gerência Regional do Trabalho de São José dos Campos e Polícia Federal, realizada entre os dias 26 e 29 de junho, resultou no resgate de um idoso de 61 anos submetido a condições análogas à escravidão em uma fazenda na zona rural de São José dos Campos, no Vale do Paraíba. Os agentes da PF efetuaram a prisão em flagrante do empregador pelo crime de redução de trabalhador à condição análoga à escravidão, tipificado pelo artigo 149-A, II e parágrafo 1º, III, do Código Penal.
O MPT recebeu denúncia protocolada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São José dos Campos na semana passada, e imediatamente oficiou os demais órgãos. Na sexta-feira (26), os fiscais realizaram a primeira vistoria na propriedade, localizada no bairro Bengalar.
O trabalhador realizava o manejo de gado leiteiro. Ele trabalhava de segunda a segunda, sem folgas desde 2005, sequer em feriados, e sem a concessão de férias, cumprindo jornada que se iniciava às 5h da manhã, e terminava às 18 horas, todos os dias. Ele trabalha na fazenda desde 1999, e não possui registro em carteira de trabalho.
Ele residia em uma pequena casa dentro da propriedade com a mãe, uma senhora de 87 anos que, no passado, prestou serviços para o pai do empregador.
O casebre se encontrava em situação degradante: não havia geladeira e o fornecimento de água era intermitente, uma vez que vinha através de uma mina. Devido à falta de forro e algumas telhas quebradas, chove dentro da casa, resultando em muita umidade e infiltrações nas paredes, forçando os dois idosos a dormirem embaixo de lonas em tempo de chuva. Não havia armários, sendo que os pertences eram armazenados no chão. A fiação elétrica estava em condições precárias. Por fim, devido a uma chaminé entupida, a casa estava tomada de fuligem, de forma que ambos respiravam fumaça quando era utilizado o fogão a lenha, especialmente devido à pouca ventilação dos ambientes.
“O interior da moradia é altamente insalubre. Não há condições para que qualquer pessoa, em especial idosas, permaneçam naquele imóvel da forma como se encontrava. As condições ficaram caracterizadas como degradantes”, afirma a procuradora Ana Farias Hirano, no MPT em São José dos Campos, que participou presencialmente da operação na segunda-feira (29).
Segundo apurado pelos órgãos de proteção ao trabalho decente, o trabalhador não recebia contrapartida remuneratória e trabalhava em troca de moradia. Os idosos se alimentavam mediante a ajuda de vizinhos e voluntários, que doavam cestas básicas.
Os fiscais lavraram auto de infração de resgate por redução de trabalhadores a condições análogas à escravidão, com base em condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva. A PF efetuou a prisão em flagrante do proprietário da fazenda, que afirmou pagar salário por produção e conceder cestas básicas, contudo, não tinha recibos ou qualquer evidência que provasse o seu argumento. Segundo a Polícia Federal, a pena é superior a 4 anos de prisão, por isso, a fiança deve ser arbitrada por um juiz. O empregador, que não é réu primário, encontra-se preso.
“Durante o interrogatório, o proprietário da fazenda reconheceu a ininterrupção do trabalho exercido pelo empregado, o não cumprimento dos encargos trabalhistas, bem como a promessa de doação da casa onde moram, feita por ele, e que foi a razão principal para mantê-los naquela condição por tanto tempo”, esclarece a delegada da Delegacia de Polícia Federal em São José dos Campos, Patrícia Helena Shimada.
TAC – O MPT firmou termo de ajuste de conduta (TAC) com o empregador, pelo qual ele se comprometeu com o cumprimento de três obrigações, consideradas emergenciais: efetuar o registro do contrato de trabalho em carteira de trabalho no prazo de 5 dias; reformar a casa em que o trabalhador reside, providenciando, no prazo de 30 dias, todas as melhorias necessárias para garantir condições dignas de moradia, tornando-a adequada e salubre, garantindo também a posse mansa e pacífica da casa e seus arredores (parte da propriedade rural) ao trabalhador, de forma vitalícia, sem prejuízo de futura transferência de propriedade da casa e parte da propriedade rural para a vítima; e garantir o pagamento de uma ajuda mensal de R$ 300 e uma cesta básica mensal no valor mínimo de R$ 100, “até o efetivo pagamento da indenização a título de dano moral coletivo”, de forma que a quantia poderá futuramente ser compensada.
“O MPT deve ingressar com ação civil pública, a fim de buscar a reparação de todo o período em que o trabalhador ficou sem qualquer remuneração, pedindo o pagamento de dano moral individual em decorrência das condições degradantes, além da quitação de todas as verbas não prescritas do período, como salário, férias, décimo-terceiro, FGTS, tudo isso de forma retroativa relativa aos últimos 5 anos. Até que saia a decisão final, o TAC garantirá, ao menos, uma ajuda mensal”, garante a procuradora.
O MPT encaminhará ofício à Defensoria Pública da União, a fim de que o trabalhador consiga apoio legal para adquirir benefício social.